História
30 outubro 2019, 11h22
Guilherme Espírito Santo
Além de futebolista, o Pérola Negra, como ficou conhecido, evidenciou-se também noutras modalidades com o Manto Sagrado.
Guilherme Espírito Santo nasceu em Lisboa, a 30 de outubro de 1919. Foi nas ruas alfacinhas que deu os primeiros pontapés na bola e ganhava simpatia pelo Benfica. Ainda menino, partiu para Luanda e foi na capital de Angola que começou a sua carreira desportiva, no Sport Lisboa e Luanda, filial do Clube, onde o seu irmão era jogador.
Em 1936, Espírito Santo voltou para Lisboa, com uma carta de recomendação da filial do Clube, apresentando-se na secretaria, mais precisamente na Rua do Jardim do Regedor. No treino que estava agendado, agradou ao treinador de então, Lipo Herczka, e estreou-se na equipa de reservas, num jogo particular, a 6 de setembro desse ano.
A 20 de setembro de 1936, com 16 anos, debutou na equipa de honra, num particular frente ao Vitória de Setúbal (triunfo por 5-2). Uma estreia auspiciosa, pois marcou um golo e foi considerado um dos melhores em campo pela Imprensa desportiva. A sua estreia oficial de águia ao peito aconteceu em 11 de outubro de 1936, na 1.ª jornada do Campeonato de Lisboa 1936/37, frente ao Casa Pia (empate 0-0).
Vítor Silva despedira-se recentemente dos relvados e a equipa benfiquista necessitava urgentemente de um finalizador para o seu ataque. A 20 de dezembro de 1936, a poucos dias do início do Campeonato Nacional 1936/37, Lipo Herckza aproveitou um desafio particular, frente ao FC Porto (vitória por 5-1), para testar uma nova solução no centro do ataque. Optou por colocar Espírito Santo, que anotou três golos e ainda fez uma assistência. No final da época, o Benfica sagrou-se campeão nacional e Espírito Santo foi o segundo melhor marcador da equipa.
A 19 de janeiro de 1941, o Pérola Negra colocou os seus conhecimentos na arte de voar ao serviço do futebol. No campo do Lumiar, em pleno dérbi entre Sporting e Benfica, Martins, o guardião encarnado, lesionou-se com gravidade ainda antes do intervalo.
Numa altura em que as leis do jogo ainda não previam substituições, o técnico benfiquista pediu a Espírito Santo para assumir o papel de guarda-redes. O Pérola Negra defendeu tudo o que tinha para defender e manteve o resultado de 1-2 para o Benfica.
Em 28 de novembro de 1937, com 18 anos, Espírito Santo realizou o seu primeiro jogo pela Seleção Nacional, onde teve uma atuação brilhante no Portugal-Espanha, realizado em Vigo. Nessa época, num jogo a contar para o Campeonato de Lisboa, frente ao Casa Pia (vitória por 13-1), marcou nove golos, constituindo um recorde no Clube.
No início de 1940, o Pérola Negra adoeceu gravemente e esteve afastado dos campos desportivos por vários meses, vestindo novamente a camisola encarnada em 23 de junho desse ano e envergou-a até ao final dessa temporada (1939/40) e da seguinte (1940/41). Todavia, o jogador teve uma recaída e esteve afastado durante duas épocas, surgindo a dúvida se algum dia voltaria a praticar futebol. Espírito Santo voltou aos relvados em 24 de outubro de 1943, num jogo de reservas, contra os Unidos, perante fortes aplausos dos espectadores.
Épocas | 14: 1936/37 a 1949/50 |
Jogos | 285 |
Golos | 199 |
Títulos | 4 Campeonatos Nacionais, 3 Taças de Portugal e 1 Campeonato de Lisboa |
Internacionalizações | 8 |
Jogou até 1949 e, com 30 anos, resolveu abandonar definitivamente o futebol, após uma carreira extraordinária. O seu último jogo foi em 8 de dezembro de 1949, inserido na sua festa de despedida, onde se disputou uma taça com o seu nome, no recinto do Campo Grande. Era a despedida de um ídolo, admirado pela sua brilhante carreira desportiva eclética e pelo seu fair play em campo, humildade, simpatia e carisma.
O Benfica e a Académica de Coimbra formaram alas para Espírito Santo que, enquanto se dirigia para o centro do campo, foi ovacionado pelos espectadores. Feitas as consagrações, a equipa benfiquista venceu o desafio amigável (7-1) e conquistou a Taça Guilherme Espírito Santo.
Espírito Santo é uma das poucas figuras da história do Benfica que foram um jogador de futebol de excelência e um atleta de alto gabarito noutras modalidades. O Pérola Negra destacou-se, também, no atletismo onde conquistou vários títulos e estabeleceu vários recordes nacionais.
A 3 de julho de 1938, Espírito Santo registou o seu primeiro recorde nacional de salto em altura (1,825 m) e, uma semana depois, o bateu o recorde nacional de salto em comprimento (6,89 m). A 17 de julho, estabeleceu um novo recorde de triplo salto (14,015 m).
Em 11 de agosto de 1940 bateu o recorde nacional de saltou em altura (1,85 m) e ultrapassou a sua própria marca a 25 de agosto desse ano (1,88 m), registo que durou cerca de 20 anos (foi batido pelo atleta benfiquista Rui Mingas, a 19 de junho de 1960).
O virtuosista encarnado ficou célebre pela sua polivalência nas mais variadas modalidades. Um futebolista de boa impulsão e bastante velocidade que um dia surpreendeu tudo e todos com um impactante salto efetuado.
O gosto pelo atletismo surgiu nos tempos do liceu, onde participou em corridas e em provas de saltos que eram lá organizadas. Contudo, como o próprio contou numa entrevista ao jornal O Benfica, o desportista eclético nasceu por acaso.
Certo dia, num treino, o esférico rolou até ao local onde trabalhava a secção de atletismo. Espírito Santo ofereceu-se para ir buscar a bola e pelo caminho saltou, serenamente e num ato de brincadeira, uma fasquia de salto em altura que estava colocada a 1,75 metros. José Bastos, antigo guarda-redes do Benfica, afirmou que até os atletas que estavam habituados a estes saltos tinham dificuldades em saltar aquela fasquia, enquanto o Pérola Negra transpôs sem problema e com botas de futebol.
No final da sua carreira futebolística, começou a praticar ténis, tal como um pouco de natação e de ténis de mesa. Mas seria no ténis que se tornaria uma referência, tendo conquistado vários títulos pelo Benfica na época de 1967/68. Guilherme Espírito Santo fez ainda parte da Direção do Clube em 1967 e em 1968.
Pelos seus feitos, o Pérola Negra foi galardoado com a Águia de Prata em 1938 e com a Águia de Ouro em 2000. A 28 de fevereiro de 2004, foi designado presidente das Comemorações do Centenário. E, em 2012, recebeu o Anel de Platina pelos 75 anos de associado, vindo a falecer nesse ano.
Fotos: Arquivo / SL Benfica