Atletismo

13 dezembro 2023, 12h10

Etson Barros

Etson Barros

Durante muitos anos, as provas de corta-mato foram uma espécie de low‑cost do atletismo, mas que os pisos irregulares e lamacentos transformavam numa modalidade que atraía espectadores, mesmo na televisão.

É desse tempo que vem a famosa prova das Açoteias, do Cross das Amendoeiras em Flor, cujos vencedores eram vistos com reverência e cobertos de glória televisiva. Em Portugal, o corta-mato sempre mereceu a aceitação dos adeptos e o brilho incandescente que sobressaía dos rostos sofridos e enlameados dos atletas.

Hoje, o corta-mato mantém os atletas desfigurados pela lama, os pisos acidentados, mas existe um novo tipo de atleta a praticá-lo. Menos rugosos, mais cuidados e sobretudo preparados como máquinas compassadas de correr. É o caso do magnífico atleta do Benfica Etson Barros, que recentemente se qualificou em 3.º lugar nos nacionais de corta-mato longo, depois de ter feito parte, igualmente, da valorosa equipa do Clube que venceu o nacional de corta-mato em prova curta.

Mas o 3.º lugar obtido por Etson Barros tem uma particularidade a que se deve prestar atenção. Foi o melhor sub-23 e também o melhor atleta português, numa prova dominada por dois atletas quenianos, em representação do Benfica e do Sporting. Venceu o do Benfica, mas Etson Barros exibiu a sua passada larga, a elegância no controlo da corrida e a velocidade na ponta final que é, também, uma das suas marcas mais reconhecidas no circuito nacional e internacional.

E, além do corta-mato, Etson Barros é, na pista, o campeão nacional de 3000 metros obstáculos e tem até junho para conseguir os mínimos para os Jogos Olímpicos de Paris. Está a seis segundos de concretizar esse sonho de atuar na maior e mais distinta competição desportiva do mundo.

Etson Barros

"Principalmente desde que vim para o Benfica, compreendi que tenho de desafiar os meus limites, todos os dias. Quero melhorar e quero fazer história no atletismo"

Etson Barros

Vamos falar dos Jogos Olímpicos de Paris. O que falta para atingir os mínimos para lá estar?

Faltam seis segundos. A minha melhor marca, que atingi a correr sozinho, sem grande ajuda na corrida, ainda está a essa distância dos mínimos. A marca é um pouco difícil de alcançar, mas tenho até junho, e acredito que o vou conseguir.

Em janeiro, começam as provas de pista, um pouco por todo o mundo, e ainda teremos os Europeus de pista ao ar livre…

Sim, terei várias oportunidades, e sobretudo a possibilidade de competir com vários dos melhores atletas mundiais, o que me fará correr mais depressa. O ritmo é outro, tenho de me preparar bem para essas provas.

Nos seus planos, estão quantas provas, até junho?

Vamos ter os Europeus de atletismo, em junho, e antes disso vou competir na Diamond League, o que será uma oportunidade para me testar. Normalmente, é nessas provas que temos de estar ao melhor nível e conseguimos as melhores marcas.

Ou seja, ainda com idade de Sub-23, mas vai competir com alguns dos melhores atletas mundiais. O seu objetivo é chegar ao nível deles?

Principalmente desde que vim para o Benfica, compreendi que tenho de desafiar os meus limites, todos os dias. Quero melhorar e quero fazer história no atletismo. Seja na pista, seja no corta-mato, sinto que estou a evoluir e que vou continuar a fazê-lo. E a partir do momento em que nos tornamos atletas do Benfica, sentimos que temos de estar entre os melhores. Só assim é que se justifica o investimento que o Clube faz em nós. Tenho esse objetivo de ser um dos melhores, e gostaria de estar nos Jogos Olímpicos de Paris, porque isso significaria entrar num lote restrito de atletas que foram os melhores para estar nessa competição onde todos querem estar.

Sente que as condições que o Benfica proporciona aos seus atletas os obrigam a retribuir com resultados?

Para mim, uma coisa é certa. Obriga-me a dar tudo. Por mim, pela minha carreira, mas também pelo Benfica. Não é pouco aquilo que o Clube nos entrega, nos proporciona. Temos todas as condições que nos permitem melhorar, todas as condições de treino e extra treino. Sentimos esse apoio, do Clube, da professora Ana Oliveira, que é inexcedível. E, depois, o ambiente que o Clube conseguiu criar, muito familiar, no atletismo do Benfica. Somos muito unidos, apoiamo-nos muito uns aos outros e, portanto, sim, quando ganhamos ou quando obtemos boas marcas, não somos só nós, também é o Benfica. Atrás de cada vitória, de cada medalha, está o trabalho de muita gente e o investimento do Clube. Não ganhamos nada sozinhos.

Etson Barros

"Através de cada vitória, de cada medalha, está o trabalho de muita gente e o investimento do Clube. Não ganhamos nada sozinhos"

TRICAMPEONATO DE CORTA-MATO

O Benfica venceu o campeonato nacional de corta-mato longo, pelo terceiro ano consecutivo. O Etson foi o melhor atleta português, terminando em 3.º lugar. Foi uma prova difícil?

Não foi um percurso fácil, porque tinha uma subida íngreme seguida de uma descida acentuada, o que para mim nunca é fácil, já que sou alto, e isso dificulta-me as coisas…

Mas é a subida, ou a descida que custa mais?

As duas coisas, principalmente uma coisa seguida da outra. Não sei explicar se é de ser alto, mas a verdade é que me custa. Mas desde o início que controlei a corrida, sabendo que no final, como sou rápido, teria vantagem.

Esse conhecimento das suas características e das características dos outros permite desenhar mentalmente a corrida?

Sem dúvida, porque sei que sou mais rápido do que os meus adversários na ponta final, e por isso tenho de controlar a corrida, para chegar ao fim em condições de impor a minha velocidade.

Consegue identificar, na corrida, o momento em que sente uma quebra?

Sim, há sempre uma altura em que temos de apelar à nossa capacidade de sacrifício, e os primeiros dois, três mil metros costumam ser os que mais me custam. Mas isto não é igual para todos os corredores. Comigo é assim, e é algo a que já me habituei e algo que treino.

Etson Barros

"Sou benfiquista desde miúdo, numa família de benfiquistas. Acaba por ser um estímulo ainda maior, para mim, ter a responsabilidade de correr pelo Benfica"

CAMPEÃO EUROPEU PELO BENFICA

Em fevereiro do próximo ano, o Benfica vai disputar a Taça dos Campeões Europeus de Corta-Mato? O objetivo é vencer?

Vai ser um desafio difícil, mas vamos para ganhar. Acredito que teremos as nossas chances, depende sempre do percurso, depende de muitos fatores que apenas no dia da corrida controlamos. Mas temos as nossas hipóteses e vamos jogar com elas.

É um dos seus sonhos de carreira ser campeão europeu pelo Benfica?

Adorava dar esse título ao Benfica. Ainda por cima, sou benfiquista desde miúdo, numa família de benfiquistas. Acaba por ser um estímulo ainda maior, para mim, ter a possibilidade de correr pelo Benfica e de lutar por um título de campeão europeu para o Clube. Temos uma equipa muito forte, temos condições de excelência e temos muita vontade de ganhar.

A preparação para a Taça dos Campeões Europeus de Corta-Mato interfere com o objetivo de tentar os mínimos para os Jogos Olímpicos?

Sim, porque, durante a preparação para o corta-mato, não treino em pista. Mas o corta-mato dá-me coisas que retiro para a minha preparação. Não se perde tudo, mas são treinos/corridas diferentes.

No campeonato nacional de corta-mato, os primeiros dois classificados foram dois atletas quenianos. É impossível competir com eles?

É. São muito rápidos, e não adianta ir atrás deles. Se eu os seguisse, rebentava antes do fim da prova. É muito difícil, são atletas distintos, com uma capacidade diferente da nossa.

Mas o que é que os distingue assim tanto?

Desde logo, treinam sempre em altitude, acima dos dois mil metros acima da linha do mar. Isso é um facto, e o outro tem que ver com o seu biótipo, que é diferente do nosso.

Antes dos nacionais de corta-mato, também fez preparação em altitude?

Sim, fizemos um estágio de duas semanas na Sierra Nevada. É importante, para aumentarmos os níveis de oxigénio no sangue, aumentam os glóbulos vermelhos, aumenta-nos a resistência. Essa preparação foi fundamental para chegarmos à prova em boa forma e em condições de lutar pelo título de campeão para o Benfica.

Artigo publicado na edição de 8 de dezembro do jornal O Benfica

Texto: José Marinho
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 21 de março de 2024