"Esperei sempre pelo Benfica"

Autodefine-se como um jogador inteligente, e existe algo em Afonso Mourinha que lhe dá razão, de uma forma espontânea e sem muito estudo. Ainda franzino, com um corpo liso e sem grandes esculturas musculares, baixo, o capitão da equipa de Sub-17 de futsal do Benfica – que se sagrou tetracampeã nacional – é tudo menos o atual protótipo do jogador físico, agressivo e lutador.

Mas a verdade é que Afonso Mourinha dispõe de outras valências que o futsal não dispensa. A inteligência é uma espécie de motor de busca, onde os jogadores como o capitão do Benfica procuram soluções alternativas à fogosidade do jogo. É isso que tem permitido ao ala benfiquista distinguir-se na quadra, como um jogador bravo, mas sobretudo que não se perde em buscas pela diferença física.

É quase a antítese do que se procura para o jogador do futuro, numa espécie de oposição criativa, num regresso sereno às origens da modalidade, quando o jogador imaginativo e técnico arregalava os olhos do público. E Afonso Mourinha, entrevistado no programa Protagonista, da BTV, é esse tipo de jogador, que arrasta memórias até à nossa infância, até quando o futsal era um jogo de malabarismos e malabaristas, mestres do engano e da ilusão. Sabe bem regressar a esses tempos.

BENFIQUISTA DE NASCENÇA

"Posso dizer que já nasci benfiquista. Os meus pais são do Benfica, e desde muito cedo me incutiram o amor ao Clube e esta paixão pelo Benfica. Só mais tarde é que chega a paixão pelo futsal, mas acabou por acontecer naturalmente, porque o meu pai era jogador de futsal, num nível amador, e eu, quando era pequeno, acompanhava-o aos treinos e ficava por lá, a dar uns pontapés na bola. Fui desenvolvendo o gosto pelo futsal, nunca me senti entusiasmado pelo futebol, e comecei a praticar. E, ao mesmo tempo, comecei a sonhar em jogar no Benfica, um dia. Nunca esperei que fosse tão cedo, mas, quando aconteceu, realizei esse meu primeiro sonho."

O CONVITE DO SPORTING

"Antes do Benfica, surgiu um convite do Sporting, mas eu não queria ir para lá. Fui muito pressionado, pelo clube, pelos pais de outros jogadores, mas disse aos meus pais que queria esperar pelo Benfica. Eles apoiaram-me nessa decisão, e então decidi esperar. Foi o melhor que poderia ter feito, porque esse convite surgiu, e, claro, fiquei radiante. Para ser sincero, não me recordo muito bem do meu primeiro dia no Benfica, mas recordo a surpresa que os meus pais me fizeram quando foi para me contar que o Benfica me queria. Acho que chorei, de felicidade, e também senti a felicidade de toda a minha família. Todos eles sentiram que tinha valido a pena esperar pelo Benfica, porque era algo que eu queria muito e porque é o maior clube de Portugal. É o Benfica."

TRICAMPEÃO NACIONAL

"Os últimos três anos foram incríveis. Fui campeão nacional pelos Sub-15; no ano a seguir, de novo campeão, mas então pelos Sub-17; e neste ano fomos tetracampeões nessa categoria. Temos uma equipa muito boa, muito unida, conhecemo-nos bem, o nosso treinador também nos conhece bem, é alguém que nos percebe, que nos entende, e, como é novo, isso facilita muito a comunicação dele connosco. É exigente, no treino e nos jogos, mas é também uma pessoa com a qual podemos contar, se precisarmos. Temos um ambiente incrível, mas, claro, temos qualidade, porque sem ela não teríamos os resultados que temos tido. Mas não queremos parar por aqui. Agora, na próxima temporada, vamos tentar ganhar o título de Sub-19 e fazer o pleno de conquistas nos escalões de formação."

MAIS BENFICA NA QUADRA

"Se calhar, houve pessoas que deixaram de acreditar em nós no jogo 1 e no jogo 3 da final. No primeiro jogo, no nosso pavilhão, o Sporting teve uma vantagem de 3 golos, mas a 30 segundos do intervalo marcámos um grande golo, que nos deu uma motivação especial para a segunda parte. Mas foi no balneário que se deu a viragem, com a palestra do nosso fisioterapeuta. Ele disse-nos que estava a faltar Benfica na quadra, e tinha razão. Olhámos uns para os outros e sentimos que, na segunda parte, tínhamos de ser mais agressivos, com a bola e sem ela, nos duelos. Tínhamos de ser Benfica. E fomos. Demos a volta e ganhámos esse primeiro jogo. No jogo 3, voltou a acontecer o mesmo, mas com uma diferença. Com o que se tinha passado no jogo 1, mesmo com uma primeira vantagem de 3 golos, a equipa do Sporting nunca sentiu que o jogo estivesse ganho, e nós, quando marcámos, de novo, a poucos segundos do intervalo, sentimos na cara deles que tinham receio de que voltasse a acontecer o mesmo que aconteceu no jogo 1. E a segunda parte desse jogo final foi toda nossa. Não demos a mínima hipótese e fomos campeões, com toda a justiça. Mais uma vez, ao intervalo, o nosso fisioterapeuta motivou-nos. Foi uma surpresa, para todos, a capacidade dele para mexer connosco e levar-nos à superação. Mas, naquela segunda parte, estivemos imparáveis."

PAVILHÃO CHEIO

"O jogo 2, que foi aquele que perdemos, foi um pouco diferente. Foi no Pavilhão João Rocha, e estava quase cheio. Tinha havido jogo da equipa sénior do Sporting, e muitos dos adeptos foram ver o nosso jogo. Ao princípio, ficámos um pouco abananados. Não estávamos habituados a tanta gente e sentimos um pouco o ambiente. Cometemos erros pouco habituais. Não foi só por isso que perdemos, mas jogar naquele pavilhão cheio, embora também com muitos adeptos do Benfica, tirou-nos um pouco o foco. Mas foi uma lição importante, porque, se queremos ser jogadores profissionais de futsal, temos de nos adaptar a estes ambientes, principalmente de um dérbi. Foi uma boa experiência."

O SONHO DA EQUIPA PRINCIPAL

"Desde que comecei a jogar que alimento esse sonho de jogar na equipa principal. Não tenho outros objetivos nem penso num plano alternativo. Sei que sou ainda muito novo, que tenho de queimar muitas etapas para conseguir lá chegar, mas é o grande objetivo a que me propus, desde que cheguei ao Benfica. Vários jogadores da formação vão rodar noutros clubes, para ganhar experiência, mas, sinceramente, não penso nisso. Até pode acontecer, porque há coisas que não controlamos, mas o meu foco é o Benfica e chegar à equipa principal. E se conseguir fazer isso sem sair do Clube para ganhar experiência, melhor ainda. Se tiver de o fazer, logo se vê, na altura, mas não é uma coisa em que pense. O que está na minha cabeça é só uma coisa: ser jogador da equipa principal do Benfica. Como é que isso vai acontecer, não sei. Veremos."

SELEÇÃO DE SUB-19

"A minha primeira chamada à seleção de Sub-19 aconteceu ainda no final do ano de 2023, o que me tornou o jogador mais novo dessa chamada. Voltei em 2024, ainda como juvenil, mas a partir da próxima temporada já estarei mais acompanhado por alguns dos meus companheiros de equipa no Benfica, porque já seremos Sub-19. Somos vários que estamos convocados para jogar na seleção que vai preparar o próximo Europeu de Sub-19. Seremos nós a geração que vai defender o título europeu conquistado em 2023. É uma responsabilidade enorme, mas acredito que a nossa geração vai estar preparada para enfrentar esse desafio. Pessoalmente, gostaria imenso de ser campeão europeu de seleções, e vou dar tudo de mim para que isso seja possível. Temos uma equipa muito boa, temos bom ambiente na seleção, mesmo entre jogadores de clubes rivais, mas essa rivalidade fica sempre à porta assim que chegamos à seleção."

FÍSICO A CRESCER

"Esse é um ponto em que vou ter de crescer. Sou franzino, e, até aqui, isso não me tem impedido de jogar futsal e de me impor no Benfica e na seleção. Mas eu vejo os jogos das equipas seniores, especialmente entre o Benfica e o Sporting, e tenho a noção do que tenho de fazer para, um dia, chegar àquele nível. Não tanto o nível técnico, mas o nível físico que é preciso ter para jogar naquele patamar. É algo que já comecei a fazer, mas também me lembro sempre de um treinador que me disse que o músculo que devemos exercitar mais é o cérebro. E eu defino-me como um jogador inteligente que percebe a dimensão física do futsal, mas que sabe que nem tudo se decide no aspeto físico. Sinceramente, não é uma coisa que me preocupe muito, embora não ignore a importância de melhorar a parte física."

Artigo publicado na edição de 28 de junho do jornal O Benfica