"Tínhamos de ganhar o campeonato"

Não é uma modalidade muito divulgada em Portugal. Aliás, para quem desconhece a dureza e perícia que é preciso alcançar para a praticar a um nível alto, nem chega bem a ser uma modalidade. Mas o paintball, em alguns países, como os Estados Unidos ou a Rússia, já é uma modalidade profissional, com patrocínios, transmissões televisivas e ordenados recompensadores.

Em Portugal, ainda não é assim, mas já exige muito treino, muita dedicação e muitas horas tiradas à família para entregar aos clubes. No Benfica, a aposta tem sido levada a sério, e o Clube, em poucos anos, tornou-se o mais vencedor de Portugal. Depois de dois anos em que falhou a conquista do título, neste ano, finalmente, a equipa recuperou as insígnias de campeão. Nesta semana, no programa Protagonista, fui à procura de saber mais sobre o paintball do Benfica e recebi em estúdio um dos seus mais experientes jogadores, o Jorge Bruno.

NO INÍCIO, ERA A BRINCAR

"Comecei a jogar através de um amigo que decidiu fazer uma sessão de paintball no seu aniversário. Adorei, e foi aí o meu primeiro contacto com a modalidade. Na altura, jogava apenas paintball recreativo, que é o mais conhecido e aquele que normalmente as pessoas conhecem, ou seja, jogar no mato ou em cenários urbanos. Em 2010 foi quando comecei na competição. Na altura na equipa Blue Falcon. Dois anos depois fui para o Belenenses, permaneci apenas um ano, e recebi o convite da equipa Trolls. E Trolls só de nome, porque tínhamos, de facto, uma grande equipa. Mais tarde, sairia daqui o grosso da equipa que se fundiu com o Benfica. E assim cheguei ao Benfica em 2015. E desde aí que só visto de vermelho e branco com muito orgulho. É o meu clube e é como viver um sonho."

EM NOME DO PAI

"O meu pai, como grande benfiquista que era, ficou superfeliz, quando comecei a jogar pelo Clube. Dizia aos amigos todos que eu era jogador do Benfica. Claro que, depois, era difícil explicar que era no paintball e o que era paintball. Mas é o mesmo sentimento que eu tenho, quando digo aos meus amigos e a pessoas conhecidas, que sou jogador do Benfica. Enche-me de orgulho. Mesmo sendo o paintball uma modalidade pouco divulgada, sou jogador do Benfica, do meu clube do coração. Por isso, sei como se sentia o meu pai. Infelizmente, nunca me viu ser campeão. É algo que me custa, e tanto que ele me pediu para o ser. Foi uma das coisas que me pediu antes de falecer. Lutar para ser campeão. A última vez que o Benfica tinha sido campeão, eu estava na equipa B do Benfica. Por isso, ser campeão foi, para mim, algo de memorável e de homenagem ao meu pai."

DUAS EQUIPAS, UM BENFICA

"Uma coisa que este grupo tem de bom é que, apesar de serem duas equipas (A e B), é como se fôssemos uma. Somos muito unidos, trabalhamos em conjunto, treinamos em conjunto, e nas provas ajudamo-nos uns aos outros. Ganha um, ganham todos. E desta vez ganhámos literalmente todos, porque a equipa A ganhou o Campeonato da 1.ª Divisão, e a equipa B ganhou o Campeonato da 2.ª Divisão. Foi a primeira vez que isto aconteceu e demonstra como o paintball, no Benfica, está desenvolvido. Mesmo na equipa B, existe muito talento e alguns jovens que trabalham para chegar à equipa principal. Treinamos uns contra os outros, e a equipa B não nos dá a vitória de mão beijada. Claro que a equipa A tem mais experiência, mais qualidade, mas é sempre um desafio jogar contra eles, treinar com eles e contra eles."

TEMPO ROUBADO À FAMÍLIA

"Não é fácil. Todos nós trabalhamos e roubamos muito tempo às nossas famílias para treinar e ir a provas. Os nossos fins de semana, enquanto as pessoas passam esses dias em família, nós passamos grande parte a treinar ou em provas. Não é uma situação fácil, requer muito apoio e compreensão. É, literalmente, correr por gosto a esta modalidade, dar tudo de nós, a nível pessoal, profissional e familiar, por uma modalidade que amamos e por um clube com a exigência de vencer. Que é o que queremos. Vencer sempre. Nesse sentido, estamos completamente em sintonia. E o facto de haver clubes como o Benfica, o Sporting, o Beira-Mar… ajuda ao desenvolvimento da modalidade. O que queremos é que mais clubes venham para o paintball para que este cresça ainda mais em Portugal."

VIVER À BENFICA

"Vivo muito o Benfica. Vou com bastante frequência ao estádio, porque tenho Red Pass, e ao pavilhão. Vejo as modalidades todas. Masculinas e femininas. Como atleta de uma modalidade com pouca expressão, sei o quanto o apoio é importante. E gosto muito da atmosfera do pavilhão. Costumo ir com a minha filha de sete anos, que também adora o Benfica. Nesse aspeto, o testemunho está entregue. Ela também gosta de ir ao estádio, mas as idas ao pavilhão é que a motivam. Talvez por ser um ambiente mais próximo. Quando está cheio, aquilo consegue mesmo ser incrível. E ela tem uma predileção pelas modalidades femininas, especialmente futsal e andebol. Quem sabe se não estará aqui uma futura jogadora do Benfica, numa dessas equipas?"

A MÃE SPORTINGUISTA

"A minha mãe é sportinguista e até é um pouco doente pelo Sporting, como eu sou pelo Benfica. A minha irmã também é sportinguista, mas mais moderada. Acho até engraçado quando a minha mãe me felicita pelas minhas vitórias, que são as vitórias do Benfica. Fica um ambiente bonito, apesar do sportinguismo dela. No futebol e noutras modalidades é que já não é possível tanto desportivismo. Estamos em barricadas clubísticas diferentes, já se nota mais a rivalidade. Mas, no fim, ganha sempre o fair play."

PENTACAMPEONATO

"O Benfica entrou a toda a força no paintball. Herdou uma equipa, e os primeiros anos foram de domínio total. O Benfica foi pentacampeão, e até vencemos a prova europeia, que é uma espécie de Liga Europa, para equipas semi-profissionais. No próximo ano vamos disputar, de novo, essa competição e tentaremos lutar pelos lugares de cima, mas vencer será muito difícil, porque vamos disputar a prova com equipas muito fortes. Mesmo não sendo a prova que junta as equipas do circuito profissional, será uma competição muito dura. Serão três etapas onde teremos de estar sempre ao mais alto nível. Em Portugal, depois do pentacampeonato, a equipa desfez-se, vários jogadores deixaram a modalidade, porque a idade não perdoa. Esta é uma modalidade muito exigente do ponto de vista físico. Quando outras equipas do Benfica, de outras modalidades, vêm praticar o paintball connosco, reconhecem que é uma modalidade muito dura. O Benfica teve de reconstruir a equipa, e voltou a ganhar o Campeonato. É verdade que perdemos em 2022 e 2023, para o Sporting, mas reconquistámos o que é nosso neste ano. O Benfica é o clube português com mais títulos na modalidade, 8 de campeão nacional, 13 títulos regionais e 1 europeu. E neste ano ganhámos os títulos da 1.ª e da 2.ª Divisão."

CAMPEÕES NACIONAIS

"Como se estava à espera, foi duro, mas, depois de dois anos a bater à porta, conseguimos ganhar este Campeonato. Sabíamos que não podíamos defrontar o Sporting, na final desta 5.ª etapa, porque, mesmo em caso de vitória, o título seria deles, devido ao acumulado de pontos em toda a época. Acabámos por defrontar o Sporting na meia-final, e isso funcionou, para as duas equipas, como uma final antecipada. Ganhámos 3-0 e, com o Sporting afastado da final, dependíamos da nossa vitória para ser campeões. Curiosamente, estávamos mais descontraídos no jogo com o Sporting. Frente ao Beira-Mar, o jogo foi muito disputado, conseguimos fazer um ponto e levámos essa vantagem até aos instantes finais, mas o Beira-Mar conseguiu empatar, quase em cima do final do tempo. Fomos a prolongamento e conseguimos o ponto que nos deu a vitória na final e no Campeonato. O Benfica voltou a ser campeão, e agora o que queremos é dar continuidade a esta conquista, nos próximos anos. À Benfica. Foi um ano intenso, de muito trabalho, de muito treino, de muitos sacrifícios, de muita rivalidade, com o Sporting e com os seus atletas, até porque levamos, muitas vezes, as discussões sobre futebol e outras modalidades para o campo. Há ali muita rivalidade, lá dentro. Cá fora, é diferente, é tudo muito mais ameno. Somos benfiquistas e sportinguistas. Mas, também por isso, sabe muito bem ser campeão."

Artigo publicado na edição de 29 de novembro do jornal O Benfica