Hóquei em Patins Feminino

16 julho 2025, 09h00

Maria Vieira

Maria Vieira no Museu Benfica – Cosme Damião

REPORTAGEM

Fechada mais uma temporada, na qual a equipa feminina de hóquei em patins do Benfica selou o seu dodecacampeonato, Maria Vieira foi a convidada da BTV num dia que começou em casa da guarda-redes – presente em todos os 12 Campeonatos Nacionais consecutivos ganhos pelas águias –, passou pelo Pavilhão Fidelidade e terminou no Museu Benfica – Cosme Damião, onde a atleta depositou algumas peças desportivas utilizadas pela própria.

Ao longo desta conversa, a internacional portuguesa, assumida benfiquista de coração, recordou as maiores conquistas coletivas, entre elas a Taça Europeia Feminina, em 2015, evocou o amor a um clube onde vencer é palavra-chave numa nova época onde a ambição da equipa do Benfica será lutar por "ganhar tudo".

EUROPEU APÓS O DODECACAMPEONATO

"Tem sido incrível. Muitas emoções num curto espaço de tempo, acabámos o Campeonato Nacional, acabámos mais uma grande época, e vamos diretas para a Seleção. Houve, também, compreensão da parte da Seleção, que nos deu um dia de folga, e foi fantástico, para podermos recuperar energias. Sem dúvida que estamos muito felizes, não só por termos revalidado o Campeonato Nacional, mas também por voltarmos à Seleção. É um sentimento de orgulho representar o Benfica e representar o nosso país, é único e estamos muito contentes."

ROTINAS DIÁRIAS ANTES DOS JOGOS

"Antes de mais, partilho a casa com a Raquel Santos – uma colega fantástica dentro e fora da pista – e fazemos juntas muitas das rotinas. Durante o dia ela vai para a faculdade, eu vou para o trabalho, mas à noite partilhamos sempre a refeição depois do treino. Em dias de jogo partilhamos sempre o almoço, o pequeno-almoço, fazemos tudo juntas e somos uma minifamília, uma grande dupla. Temos alguns rituais em dias de jogo: gostamos de fazer um brunch, partilhamos tempo juntas, falamos sobre o jogo, partilhamos algumas ideias e preocupações também, mais nos jogos da Champions."

GUARDA-REDES E MÉDICA

"Acima de tudo é cansativo. São as minhas duas grandes paixões na vida, o desporto e a medicina, e tenho a sorte, que dá muito trabalho, como eu costumo dizer, de conseguir juntá-las no meu dia a dia. Não sou das pessoas que dormem mais, para ser honesta, mas durmo bem, e é tudo uma questão de paixão, organização e planeamento atempado. Acho que o grande segredo é eu conseguir organizar aqui esta logística do dia a dia, também com a ajuda da Raquel, nalgumas dinâmicas e em algumas tarefas. Juntas, conseguimos encontrar um bom equilíbrio para conseguirmos chegar ao nosso melhor: ela na escola, eu no trabalho, e juntas no hóquei."

Maria Vieira

MEDALHAS COM MAIS SIGNIFICADO

"Há pelo menos três que eu gosto de ter sempre comigo e que, quando vamos para a final four da Champions ou jogar os play-offs, gosto sempre de relembrar e de ter comigo. Uma é a medalha do primeiro Campeonato Nacional, que está um bocado velhinha, já tem muitos anos. Para contrastar, está a medalha deste ano, do dodecacampeonato, dá para ver a evolução ao nível do design, é muito diferente. Isto é muito giro, gosto muito desta metáfora, pois também é um simbolismo de como evoluiu o hóquei feminino: de uma medalha pequenina e simples, de repente temos aqui um medalhão, muito mais bonito, muito mais apelativo. Por último, e não podia faltar, a grande medalha da Liga dos Campeões de 15 de março de 2015, em Espanha, e que me acompanha sempre. É uma medalha que nos diz muito. Da nossa equipa, só eu, a Marlene [Sousa] e o Paulo [Almeida] é que temos esta medalha. Mas estou certa de que estamos cada vez mais perto de conseguir trazer uma nova medalha."

BENFICA, O CLUBE DO CORAÇÃO

"Ao longo da minha formação, sempre joguei com rapazes. Na altura, nós, raparigas, só podíamos jogar com rapazes até aos iniciados, que agora são os sub-15, e, depois, tínhamos de transitar obrigatoriamente para o setor feminino. Em 2011/12, fiz a minha primeira época de femininos no Nafarros, em Sintra. Chegou agosto, e eu não tinha clube, não sabia bem se queria continuar no hóquei, tinha a parte da música, de que eu gostava muito, tinha muitas bandas, muitos projetos, mas também gostava muito do hóquei. Estava num impasse de saber para onde é que ia, e, então, o engenheiro Trindade ligou-me, e eu achei que era mentira, que estavam a brincar comigo, ao dizerem-me que o Benfica ia montar uma equipa de seniores femininos, e se eu gostava de ser uma das guarda-redes. Lá em casa foi a loucura, ninguém dormiu."

VIVER E PASSAR A MÍSTICA ENCARNADA

"É uma coisa muito natural. Eu vivo muito o Benfica no meu dia a dia. Todos os dias falo do Benfica com o meu pai, a minha mãe às vezes diz ‘Já chega, calem-se um bocadinho’, porque de facto faz parte do nosso dia a dia. Aquilo que eu tento transmitir às colegas mais novas, ou às que vêm pela primeira vez, é a responsabilidade e o respeito que exige vestir esta camisola. Muita gente me falou sobre isto, que é a camisola não estar no chão. É uma coisa que eu não permito, pelo menos enquanto eu estiver presente, a camisola do Benfica jamais estará no chão. E é ir ao Museu e ver com os nossos olhos a história do Clube. Às vezes, as pessoas dizem que o Benfica é muito grande, mas é muito grande porquê? É muito grande em quê? Nós só sabemos o quão grande é o Clube quando estamos cá dentro. Temos agora uma nova época pela frente, para a qual temos alguns reforços, e certamente aquilo que eu lhes vou transmitir é a história deste clube, explicar-lhes o porquê de ele ser o maior de Portugal e um dos maiores do mundo. O prestígio que está inerente e associado ao Sport Lisboa e Benfica, e tentar que elas, enquanto vestem esta camisola, percebam que isto é um Manto Sagrado. E Manto Sagrado porquê? Porque qualquer pessoa que veja esta camisola está sempre à espera dos três pontos, está sempre à espera da vitória. Tudo o que não seja ganhar, para o Benfica é insuficiente. E é por isso que o Paulo [Almeida] tantas vezes diz que o segundo lugar é o primeiro dos últimos. Porque aqui é ganhar ou ganhar. Quando estás cansado ou desmotivado, vem esta lufada de ar fresco, olhas para o símbolo e pensas: ‘Estou aqui para dignificar o Benfica e é para ganhar.’ Sabemos que não vamos ganhar sempre, não ganhamos todas as competições e que, um dia, vamos perder este legado. Mas, enquanto pudermos continuar a fazer esta bonita história, vamos continuar a trabalhar para ela."

A GRANDE DEFESA COM AS PERNAS

"Lembro-me de olhar para o banco, supercontente, e o Pedro [Santos, treinador de guarda-redes] estava com uma cara superassustada a perguntar o que é que eu estava a fazer [risos]… Lembro-me de, há um ou dois anos, ter dito 'Pedro, um dia eu vou fazer isto no jogo'. Fazia algumas vezes em treino, e nós, guarda-redes, temos de estar preparados para tudo. Eu gosto de ter plano A, B, C, D, e aquilo foi uma defesa de recurso [frente à Escola Livre, em 15 de março de 2025]. Pensei, não pensando, só fiz, confiei, porque não era a primeira vez que fazia aquilo. Mesmo com rapazes, já tinha feito aquilo, quando os sub-19 treinam connosco. Claro que no treino estou muito mais à vontade, mas ali no jogo confiei, sabia que era só mais uma vez que estava a fazer aquele recurso, deu certo e a TV captou. E foi muito engraçado. Não é uma técnica que seja para usar sempre, não é de rotina."

MUSEU QUE CAUSA ARREPIOS

"Eu sinto-me sempre arrepiada. Gosto muito de entrar aqui não só enquanto atleta, mas enquanto benfiquista, já vim várias vezes ao Museu. Lembro- -me de uma vez vir sozinha antes de uma final four da Champions só para me inspirar um bocadinho na história do Clube, na mística. De todas as [taças] que estão aqui, talvez a mais especial seja a do Campeonato Nacional, mas há a Supertaça, as Taças de Portugal, tudo é importante enquanto Benfica. O Campeonato Nacional é uma coisa que nós apreciamos muito, sem ser a Liga dos Campeões, é claro. Ver taças e troféus de outras modalidades inspira-me como atleta, como pessoa, como benfiquista, e só posso sentir-me agradada."

A FONTE DE INSPIRAÇÃO

"Às vezes, enquanto atletas, emocionalmente, não conseguimos estar sempre no pico mais superior. Temos algumas quebras também devido ao cansaço, à carga acumulada ao longo da época. Na última final four precisava de uma inspiração, algo que me desse um bocadinho mais alento e me aquecesse um bocadinho o coração. E vim aqui ao Museu, sozinha. Tirei um bocadinho da tarde, antes do treino, para cá vir e foi fantástico. Enquanto benfiquista, adoro vir aqui, e, mesmo que não tivesse nenhum troféu meu, vinha aqui e ficaria de coração cheio. Porque arrepia-me ver tantos troféus, e sabemos que nem todos os que o Benfica tem estão expostos aqui... [Olhando para a Taça Europeia Feminina, ganha em 2015] E chegamos aqui a um momento, e a um lugar crucial no Museu e na história desta equipa. Acho que este troféu que está aqui fala por si só, é a Taça dos Campeões de 2015. É um cantinho ao qual gosto muito de vir, ficar aqui um bocadinho a refletir, a trazer as boas lembranças e a servir-me de inspiração. Porque se ele está aqui é porque foi possível. E se foi possível uma vez, porque não repetir?"

Maria Vieira

A CONQUISTA EUROPEIA EM 2015

"Lembro-me de jogar o primeiro jogo aqui contra o Voltregà, e elas nem fizeram adaptação à pista. Deviam achar que eram favas contadas e, depois, o resultado ficou 8-3, o Benfica ganhou. Lembro-me de que ninguém dava nada por nós, e que, se calhar, nós também não dávamos nada por nós. Fomos até onde nos deixaram ir e ganhámos este grande troféu, eliminando o nosso grande rival, o CP Manlleu, na altura a jogar em casa. Foi muito especial. Acho que, na altura, não percebemos bem a dimensão da nossa conquista, só quando chegámos ao aeroporto e estavam lá imensos benfiquistas, foi o nosso apogeu. Serve como uma fonte de inspiração para mim, para todas as colegas e para todos os benfiquistas: os sonhos são possíveis e concretizam-se. E o nosso está aqui, concretizado."

O "SENHOR" PAULO ALMEIDA

"Mais do que um treinador, é um amigo. Ele apostou em mim em 2015, quando se calhar ninguém dava nada por mim. Foi um senhor do hóquei. O seu currículo fala, por si: campeão do mundo, da Europa, campeão nacional, um dos melhores jogadores de sempre. O Paulo é uma figura que me inspira no dia a dia. Ainda hoje, quando ele tem o seu discurso motivacional, arrepia-me. Ele já teve discursos bastante emotivos que me deixaram de lágrimas nos olhos no balneário. É um grande líder, um grande homem, uma grande pessoa e, acima de tudo, agradecer ao Paulo por ter acreditado em mim, nas minhas capacidades. O Paulo já construiu o seu legado como treinador, não tão poderoso ainda como o do jogador, mas para lá caminha. É um grande campeão, dentro e fora da pista, e quem o conhece só pode dizer maravilhas dele."

NOME GRAVADO NO CLUBE

"Parece um bocadinho ainda irreal e ilusório. No fundo, sou benfiquista desde pequenina e acho que ainda não percebi bem a magnitude que é ter o meu nome escrito na história de um clube que desde 1904 é o maior de Portugal e um dos maiores do mundo. É como o Paulo [Almeida] diz, mais do que ganhar é saber que atrás de nós está um currículo, está uma lista de conquistas que são muito mais do que medalhas, são muito mais do que taças, é uma resiliência, uma superação, uma disciplina e um trabalho diário que não está ao alcance de qualquer um e, de facto, é só para os mais trabalhadores e para os mais guerreiros."

Maria Vieira

UMA GRANDEZA SEM PAR

"É incomparável Eu descrevo o Benfica como incomparável, diferenciado, é único. Todas as estrangeiras que passam por aqui o podem dizer por si só. Além de sermos uma família, o Benfica é único, é uma instituição muito própria com o seu registo histórico, com o seu registo de vitórias, é uma hegemonia gigante no desporto mundial. Só posso estar agradecida a este clube gigante, que é o meu clube de coração. Eu podia ter ganho o mesmo, mas, sendo pelo Benfica, tem sempre um valor especial e vale sempre a dobrar."

A ÉPOCA DE 2025/26

"É carregar baterias, começar o Europeu na segunda semana de setembro, e, a partir do final do Europeu, com o foco máximo em ganhar pelo Benfica, temos grandes competições, uma grande época, um grande plantel, que esperamos que seja uma grande família dentro e fora da pista, com novas caras, grandes nomes do hóquei em patins feminino. Estamos muito motivadas, sabemos que o Paulo continuará connosco e, como ele diz, neste clube não nos cansamos de ganhar. Muita responsabilidade, muita competitividade, muita força, muita vontade de trabalhar e de evoluir, para chegarmos ao momento das decisões e estarmos prontas e podermos ganhar tudo nesta época."

Texto: Redação
Fotos: SL Benfica
Última atualização: 16 de julho de 2025

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