Entrevista

12 julho 2019, 01h12

Jonas

Jonas

Foi mais uma noite de emoções para Jonas. 24 horas depois de ter colocado um ponto final na carreira de jogador profissional, o agora ex-avançado brasileiro do Benfica concedeu uma extensa entrevista à BTV e vários foram os momentos em que não conteve as lágrimas.

Numa conversa de mais de duas horas – cheia de surpresas e de mensagens de colegas, ex-colegas e família entre muitas outras personalidades –, Jonas falou sobre a sua despedida dos relvados, da chegada ao Benfica, do carinho por Luís Filipe Vieira, da relação com Bruno Lage e com os companheiros de equipa, e assumiu que vai agora dedicar-se à família.

Despedida de Jonas

O que lhe vai na alma? Dormiu melhor antes ou depois do jogo e da homenagem?

Estava muito ansioso, confesso. Estava à espera deste momento desde o meu período no Brasil, já tinha definido que ia terminar a minha carreira aqui no Benfica e confesso que está a ser difícil dormir. Mas faz parte. É por uma boa causa. O que vivi ontem [quarta-feira] aqui deixa-me, de uma certa forma, feliz por ter acabado a carreira aqui. Era o que queria, era o que eu desejava. Eu e a minha família estamos muito felizes por ter cumprido esse desejo.

Foi duro, Jonas?

É difícil. Se o programa começa assim…

Isto ainda está tudo muito fresco?

Estou muito emocionado com o que aconteceu ontem [quarta-feira]. Tomei a decisão certa, foi pensada e conversada com a minha família. Ao mesmo tempo que me emocionou, também fico feliz por ter terminado a carreira no momento certo porque, a partir de agora, não iria conseguir jogar o que gostaria.

Despedida de Jonas

O que sentiu neste momento [em que os adeptos se levantaram para gritar o nome do brasileiro]?

Foi uma mistura de muitas coisas. Senti que seria o meu último momento como jogador profissional, passou pela minha cabeça o início de jogar em casa. Era um sonho que tive e acabou por ser realizado. Eu estava muito sorridente e era assim que eu queria terminar a minha carreira: alegre e feliz. Isso tem muito a ver com a decisão ter sido tomada no momento certo.

Jonas, há pessoas que perguntam: não dava mesmo para jogar nem mais um aninho?

Não dava. Há dois anos que tenho a lesão na lombar. No último ano as dores foram mais intensas, as dificuldades, os treinos, as viagens… No início da época passada arranquei mais tarde do que os meus colegas, perdi algum tempo, mas voltei confiante e joguei até dezembro. Em agosto tive a primeira crise, em janeiro tive outra e parei de novo. Mandei uma mensagem à minha família a dizer que, a partir de agora, vou ver se consigo ir até ao fim da época. Estava a ser difícil treinar, acordava com dores, terminava os treinos com dores. Depois veio o Bruno Lage e foi fundamental. Tive uma conversa com ele… falei com o Tiago Pinto, com o Rui Costa, queria falar com o Presidente, mas não deixaram. Falei com o Bruno Lage e explicou-me a minha programação até ao fim da época. Ele disse-me: ‘Como queres acabar a tua carreira no fim da época, tem de ser dentro de campo, como um campeão’. Essa conversa deu-me confiança e força, e agradeci-lhe muito. Tive treinos em que estive apenas 20 minutos e depois ia fazer alongamentos, tinha treinos que nem ia… Foi tudo programado. O Bruno Lage tratou-me de uma forma que me deixa muito grato.

É possível, para lá da relação entre presidente e jogador, construir uma relação de amizade?

Sim. O Presidente tem uma característica que para mim é fundamental, e eu identifico-me muito com ele, que é a humildade. Estando à frente de um clube como o Benfica, tem uma humildade incrível. Eu acho que isso mexeu muito comigo desde a minha chegada aqui. A proximidade dele com os jogadores também é uma coisa impressionante. Cheguei a comentar isso com ele. Em nenhum outro clube tinha tido esta aproximação. Aqui, o Presidente está sempre connosco no Seixal, está sempre a trabalhar connosco… inclusive no dia em que rescindimos, ele estava de fato de treino. Este é o Presidente: genuíno. Um homem que trabalha 24 horas por dia por este Clube, que trabalha para nos dar o melhor, de uma humildade tremenda, de um conhecimento e de um caráter muito grande. Eu vou levar este respeito e este carinho para sempre.

Que momento e presentes partilharam no início do jogo com o Anderlecht?

Foi dois presentes, um de cada parte. Agradeci a oportunidade de me ter ido buscar.

Lembra-se da primeira conversa com o Presidente Luís Filipe Vieira?

Quando venho para Lisboa, venho com as malas no Valência. Ainda não tinha proposta e aí é que iniciámos a negociação. Foi a primeira vez que estive presente numa negociação. Não queria ficar em Valência e havia a hipótese de assinar contrato com o Benfica. Foi marcante para mim e para a minha família. Vim para cá e com as malas para fortalecer e para mostrar que queria mesmo vir para o Benfica.

Despedida de Jonas

Muitas foram as notícias que vieram a público de que o Benfica pagaria um ordenado milionário para o Jonas deixar de jogar futebol. É verdade? Que tipo de acordo foi esse?

Não teve nada disso, até porque eu tinha mais um ano de contrato. Se eu pensasse na questão financeira ia continuar a jogar. A questão aqui foi mesmo a questão física que eu expliquei ao Presidente e a todos que não continuaria a jogar futebol por causa deste problema que tenho. Depois disso houve um acordo que correu dentro da normalidade. Tudo isso que saiu – e eu também acompanhei – são informações falsas. Na rescisão houve respeito, carinho, e o lado financeiro não foi a principal questão.

Qual é a primeira palavra que surge quando pensa no Benfica?

A primeira palavra que surge quando falo no Benfica é amor. Foi construída aqui uma relação muito forte, do início ao fim.

Jonas e João Félix

Quando entrou no jogo com o Santa Clara [em que o Benfica se sagrou Campeão] já sabia que ia terminar a carreira e por isso é que estava em lágrimas?

Sim, já tinha decidido que ia terminar a minha carreira, mas, claro, eu queria voltar para o meu país de férias, conversar com a minha família… ali eu tinha 99,9% de certeza. Só faltava partilhar com a minha família esse meu desejo. Esse jogo foi um momento marcante porque o João [Félix] – que dispensa comentários – saiu para eu entrar. Foi emocionante.

Bruno Lage vai levar o Benfica ao 38, ao Bicampeonato?

Com certeza. Este homem é um senhor da bola, um ser humano fantástico. O Benfica está em boas mãos, porque o Bruno Lage é muito competente e todos estão felizes com ele.

Jonas com Bruno Lage

Há uma imagem muito interessante na homenagem que é quando o Bruno Lage o abraça e lhe diz algo ao ouvido…

Transmitiu o que tínhamos falado no gabinete dele em fevereiro. Recordou que eu estava a acabar como deveria, no campo e campeão.

Golo 300, o último pelo Benfica…

O Bruno Lage disse-me que aquele golo é uma prova de que temos de fazer pela vida. Um jogador de 35 anos, baixou, recuperou a bola e depois fez o golo.

Não é fácil substituir o Jonas…

Jardel também é uma pessoa… há pessoas que nos marcam [emocionado]. O Jardel é muito humilde, é uma pessoa que me ajudou muito no Benfica. Somos muito próximos e eu tenho um carinho enorme por ele e pela família dele. São companheiros que vou levar para sempre. O que eu vivi aqui foi fantástico.

Todo o plantel deixou-lhe mensagens, até nas redes sociais, mas houve uma mensagem que quero destacar, que é a de João Félix. Seria o seu herdeiro no plantel do Benfica?

Sem dúvida. Há grandes jogadores, com muita qualidade, mas o Félix tinha tudo para fazer essa trajetória. Depois de uma proposta daquela, a negociação foi muito boa.

Jonas e João Felix

Ainda sobre João Félix… há quem ache que pode dar cartas, há quem diga que pode falhar. O que acha o Jonas?

Está preparado, tenho a certeza. É um menino muito maduro e tem uma família por trás, um pai e uma mãe… ele está preparado. Divertíamo-nos muito nos treinos, a favor e contra. Quando jogava contra ele nos treinos ficava nervoso, porque ele tem muita qualidade. Ele está preparado e vai ter uma carreira vitoriosa. Merece. Integrou-se muito bem no nosso plantel. Vai dar muitas alegrias aos adeptos do Atlético de Madrid e aos portugueses.

Quem pode ser o seu herdeiro da camisola 10 no plantel do Benfica?

É difícil apontar um, mas nestes cinco anos eu gostava muito de combinar jogadas com o Pizzi. Há muitos outros jogadores, mas havia uma química. Mas eu sei que ele gosta da camisola 21. Há hoje grandes jogadores do Benfica que podem assumir a camisola 10 e fazer um grande trabalho.

Jonas, Pizzi e Rafa

Sem Jonas e João Félix os benfiquistas podem na mesma ficar descansados?

Sim, a base é muito forte. Em princípio a base deve ser mantida e com os jogadores que chegaram – que se nota que têm qualidade – o Benfica continua forte para a próxima época.

Vai continuar a seguir o Benfica e os seus jogos?

Vou acompanhar, agora com mais calma. No Brasil, a minha família sempre acompanhou e eu vou fazer o mesmo no Brasil porque os horários ajudam. Vou estar sempre a apoiar.

Preferia jogar à tarde ou noite?

É indiferente. Não gostava era de jogar ao meio-dia, mas aqui nunca aconteceu. Depois das 17h00, mas confesso que o sono da tarde era importante. Um jogo às 20h30 era o ideal.

Qual foi momento mais marcante no Benfica?

O primeiro título, em 2014/15. Foi marcante, foi na minha primeira época. Comemorei muito porque foi muito merecido.

Uma mensagem de 10 para 10…

Muitas conversas, muitos conselhos. A admiração que tenho por ele. Ajudou-me muito no início. Foi muito bom o carinho e o respeito. Será eterno. Às vezes estava com algum problema físico e ele dizia-me que me queria dentro de campo no fim de semana.

A mensagem de Luisão…

Foi das pessoas que mais acolheu a minha família [emocionado]. Quando chegámos, ele abriu as portas da casa dele para mim e para a minha família. O Luisão é um amigo que fiz no futebol e que vou levar para sempre.

Lembro-me de um festejo em Coimbra entre Jonas e Luisão. Que dança era aquela?

O Luisão é aquilo. Alegria e companheirismo. Ele é raiz, que dá muito valor a tudo aquilo que aprendeu com a família. Ali, não tínhamos combinado nada e acabámos a dançar na final da Taça da Liga com o Marítimo.

Há uma pessoa que foi seu colega no Benfica e tem nome de Imperador…

O Júlio César… compartilhámos bons momentos aqui. O grupo dos ‘Brazucas’! É uma palavra que nos define. Eu e o Júlio César chegámos juntos, ele estava no hotel, foi ver um carro e disse para irmos ver porque ia ficar com um Ferrari. Entrámos no carro e fomos ao stand. Chegou lá e ficou com um carro bem mais simples do que um Ferrari. Aquilo chamou-me a atenção. Ele estava mesmo feliz e orgulhoso pelo carro que tinha acabado de comprar. Aprendi a viver uma vida simples e em dar valor ao que interessa. Tenho várias histórias com ele…

Pode contar uma?

Estamos a ir para um jogo e tínhamos o grupo dos brazucas. Ele anunciou que depois do jogo havia churrasco na casa do Jonas e que todos podiam levar as mulheres e os filhos. Tive de avisar a minha mulher que tinha de comprar qualquer coisa para impressionar a malta.

Jonas

O seu clube do coração no Brasil, sempre o disse, era o Corinthians, mas nunca lá jogou. Se hoje lhe perguntar qual é o seu clube, continua a ser o Corinthians ou já mudou?

Não, é fácil responder. Hoje é o Benfica. Quando comecei a jogar futebol acaba um pouco esse lado de adepto, mas, claro, com o Corinthians no coração. Eu tive até um convite para jogar la em 2010 quando fiz uma época muito boa no Grémio, mas tive também o convite do Valência e como eu tinha o desejo de jogar na Europa acabei por não ir para o Corinthians. Mas agora o clube do coração é o Benfica.

Vai continuar ao serviço do Benfica noutras funções?

Neste momento vou para o Brasil porque quero ficar próximo do meu pai e da minha mãe. Estou fora há oito anos e meio, mas já conversei com o Presidente e a minha ideia é de vir visitar, passar por aqui, explorando o lado Jonas-Benfica. Vou voltar e ter residência no Brasil, ficando próximo da minha família.

Jonas com a família

A sua família tem uma farmácia no Brasil. Se lá for, vou encontrá-lo atrás do balcão?

Trabalhei lá uma época. A minha mãe fez um empréstimo para comprar a farmácia para o meu irmão. Comecei a trabalhar lá, a entregar remédios nas casas dos clientes, mas vi que não era para mim.

Vai ficar ligado ao futebol ou vai estudar?

Vou estudar duas áreas totalmente diferentes do futebol para dar seguimento a algumas áreas que a minha família tem. Um de administração, outro de finanças. Dar ainda seguimento a alguns trabalhos sociais que já fazemos na nossa cidade e noutras regiões.

André Almeida foi o jogador que fez mais assistências para os seus golos… 13!

Eu e o André tínhamos uma sintonia incrível. Foi o que me fez mais assistências. É mais um amigo que eu fiz no futebol e que eu vou levar para sempre.

Qual foi o melhor jogador com quem jogou?

É difícil dizer um. Foram tantos jogadores com quem eu joguei… podia dizer um ou outro nome, mas estaria a ser injusto com os demais. Tive o privilégio de jogar com muitos jogadores bons, que me ajudaram muito.

Um deles foi certamente Gaitán…

Eu falei com ele hoje por mensagem. O Nico tinha magia nos pés. Só no olhar já sabíamos os movimentos um do outro.

Estadio da Luz

Qual foi o melhor Estádio onde atuou?

Alguns jogos tinham momentos menos bons, em que estava um pouco difícil marcar… confesso que tenho qualquer coisa com este estádio que não consigo explicar. É diferente jogar no Estádio da Luz e fora.

E o golo fora com o Boavista? Lembra-se?

Ganhámos 0-1. Houve um adepto que me disse que sabia que eu ia marcar. Pensava que ia ter uma oportunidade de marcar. Só não sabia que ia ser tão tarde.

Antes de vir para o Benfica sabia da grandeza do Clube?

A grandeza do Benfica é conhecida em todo o mundo, mas antes de vir não conhecia a estrutura. É um Clube com uma grande história e sabia que poderia ser feliz aqui. Agradeço a oportunidade que tive.

SL Benfica vence Estoril

Melhor exibição?

No Benfica? O jogo com o Estoril em que fiz dois golos [2016/17, no Estádio da Luz].

Algum ritual antes dos jogos?

Sim, a oração.

Melhor dupla na carreira?

Todos os que tive no Benfica: Lima, Mitroglou, Raúl, Seferovic e João Félix; Soldado no Valência e André no Grémio.

Plantel mais forte que teve ao serviço do Benfica?

O plantel das duas primeiras épocas [2014/15 e 2015/16].

Estádio mais difícil em que jogou em Portugal?

Estádio do Dragão, Alvalade. É difícil de jogar em Braga e na Ilha da Madeira.

Adversário mais difícil?

Na minha carreira foi o Sérgio Ramos. Às vezes, ele era até violento na sua forma de jogar.

No Grémio era tratado por Mestre; em Portugal era tratado por Pistolas. Tinha preferência?

Não. Acabei por ter carinho pelas duas alcunhas.

Jonas

Uma última mensagem para os Benfiquistas…

Escutei uma frase que resume: ontem [quarta-feira] foi uma homenagem e não uma despedida. Jamais vou deixar o povo Benfiquista e o Sport Lisboa e Benfica. Foram anos maravilhosos, fantásticos, de conquistas, de alegrias e de algumas tristezas porque também faz parte no futebol. Acima de tudo vai ficar o amor e gratidão por este Clube. Aconteceu o que dizia o meu coração que era terminar a carreira no Benfica, num Clube tão grande como este. Muito obrigado!

Texto: Marco Rebelo e Filipa Fernandes Garcia

Fotos: Arquivo / SL Benfica

Última atualização: 21 de março de 2024

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