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Hóquei em Patins
18 junho 2021, 12h05
Valter Neves na BTV
Numa íntima conversa de mais de duas horas, recebeu várias surpresas da família, antigos colegas e treinadores, ficou emocionado, recordou o início no Alverca, a passagem pelo Paço de Arcos e os 17 anos de Benfica em que conquistou 17 títulos. Reconheceu a importância do Clube no seu crescimento como homem e atleta e agradeceu aos adeptos por todo o apoio sempre dado à modalidade. Vai continuar de águia ao peito, mas noutras funções, fora da pista, como team manager.
Já lhe caiu a ficha? Já disse de si para si que acabou?
Sim, o que tem acontecido realmente é que vai caindo aos poucos. Tem sido uma semana com emoções muito à flor da pele, com muitas mensagens…
Houve alguma mais especial?
As da família, as dos adeptos que estiveram à espera fora do pavilhão naquele dia [dia seguinte ao anúncio de fim de carreira] e dos amigos e das pessoas mais próximas. De todos! Todas as mensagens me tocam. Tem sido uma semana muito emocionante e que me tem ajudado neste processo de acabar a carreira.
E os treinos ainda não acabaram…
Sim, os treinos ainda não acabaram. A equipa vai trabalhar até ao fim do mês. Tenho estado perto da equipa, não na pista, até pelo que me aconteceu ao nariz [na meia-final do Campeonato Nacional, com o FC Porto], mas no ginásio. Para não haver muito tempo de interregno, a equipa continua a trabalhar.
Quando é que decidiu terminar a carreira?
Foi uma decisão bastante ponderada e que levou algum tempo a ser tomada. Posso adiantar que, no final da época transata, já havia essa ideia. Como houve a pandemia, a época acabou de repente. Terminou um jogo e já não havia época. Falei com a equipa técnica e com a direção, e optámos por fazer mais uma época, com a intenção de terminar com uma temporada completa. Parti, desde o início, com a ideia de que seria a época final.
Foi uma decisão do Valter? Ou houve uma comunhão de ideias? Quem é que deu o primeiro passo para esta nova função, de team manager da equipa sénior de hóquei em patins?
Foi uma sucessão de conversas, de sentir a equipa, de sentir o passo seguinte. Pensar no que seria o melhor para mim e para a equipa. Faço 38 anos em agosto, estava na fase final da carreira. Eu, conhecendo o meu corpo e a minha forma de estar – em que gosto de estar ao mais alto nível –, sabia que as recuperações estavam mais difíceis. Numa sucessão de conversas que fomos tendo sobre o futuro, chegámos a este dia.
Como é que se consegue estar 17 anos num clube e ter este currículo?
Mais do que ser uma coisa, propriamente minha, é uma coisa do Clube e da equipa. Obviamente que, por estar aqui há mais anos, muitos jogadores e treinadores passaram por aqui, e o Benfica teve uma grande evolução desde a minha chegada. Essa evolução permitiu que a equipa fosse ganhando e isso acabou por se traduzir nos títulos que fomos conquistando e no investimento que foi feito na equipa. Não consegui nada, a equipa é que conseguiu, porque este desporto é coletivo.
Ao longo destes 17 anos, nunca teve convites para sair do Benfica? Ou não quis sair?
Eu acho que as pessoas sempre souberam que esta era a minha casa. O meu sonho sempre foi jogar no Benfica, sempre o transmiti a toda a gente e, de resto, a minha vida também está radicada aqui na cidade de Lisboa. Como tal, a verdade é que nunca tive muitos convites. Tive uma abordagem de um ou outro clube, mas cortei logo pela raiz e sempre foi minha vontade estar aqui.
Não tinha a tentação de experimentar o hóquei internacional?
Tinha de mudar toda a minha vida e, como tal, nunca equacionei.
É fácil fazer uma vida de profissional de hóquei e ter uma vida confortável?
Obviamente que aquilo que um jogador de hóquei recebe dá para ter uma excelente vida no momento, mas depois quando acaba a carreira não dá para viver. Eu costumo dizer que nos dá um empurrão. Fazendo uma boa gestão desse empurrão podemos depois ter, com um trabalho – vamos sempre ter de trabalhar e ganhar um vencimento –, manter a nossa vida, mas não é mais do que isso. Não pensem as pessoas que é como um jogador de futebol de alto nível que, depois de acabar a carreira, basta fazer a gestão daquilo que auferiu para continuar a sua vida. Isso não acontece nesta modalidade.
Curiosamente, foi Fernando Tavares, atual vice-presidente das modalidades do Benfica, quem o contratou ao Paço de Arcos. Agora, reencontram-se no final da sua carreira...
É verdade, eu tenho dito na brincadeira que estava à espera dele para me poder reformar. Sim, de facto foi ele que me foi buscar ao Paço de Arcos, a mim e a mais quatro atletas. Curioso que, 17 anos depois, tenha deixado com ele.
Como comunicou aos seus companheiros de equipa que ia acabar a carreira? Não o tentaram demover?
Eu fui sempre dizendo que estava na fase final, fui alertando e brincando um pouco com eles. Eles diziam-me sempre: "Sim, mas mais um ano." Mas a verdade é que sinto que eles também já estavam preparados porque foi uma decisão tomada com bastante tempo e fui comunicando aos poucos.
No final do clássico com o FC Porto, o seu último jogo [meia-final do play-off do Campeonato], disse alguma coisa especial aos seus colegas?
Sim, sabendo eu que era o último momento que ia privar com eles dentro da pista, aquilo que lhes disse foi que, depois de termos perdido o Campeonato, eles tinham de estar de cabeça erguida porque ainda têm muito trabalho pela frente, muita coisa para conquistar aqui no Benfica e que, para mim, tinha sido um orgulho e uma honra ser o capitão deles e ter estado com eles todos aqueles momentos.
[Como conta Diogo Rafael no vídeo acima] Um golo dá direito a sair pela porta do pavilhão? Tem de me contar essa história...
Foi uma deslocação épica. Na altura do Natal fomos jogar a Grimsby, em Inglaterra, o tempo estava caótico, nevava e só metade da equipa tinha as malas, a outra metade não tinha. Jogámos com cinco jogadores, o João Rodrigues teve de pedir os patins emprestados, algo que é terrível para nós. O campo não era retangular, tinha uma parede a mais. E uma das tabelas era uma parede em si com uma porta. No jogo, marco um golo, não consigo travar e vou direito à porta, que era emergência, e então acabei fora do pavilhão. Foi bastante caricato. Demorámos imenso tempo para voltar para Portugal. O Natal estava a chegar… curiosamente, acabou por ser na época em que ganhámos [Valter Neves e Diogo Rafael] o primeiro título juntos no Benfica, a Taça de Portugal de 2010.
Qual foi a primeira pessoa a quem disse que ia acabar a carreira?
Falei com a minha esposa, que é a minha confidente. De facto, foi a ela. No fundo, íamos falando várias vezes, e até posso confidenciar que no ano passado foi ela que me encorajou a fazer mais uma época. Lembro-me de chegar a casa e dizer: "Está na hora." Falámos e decidimos. Falo também bastante com a minha mãe, antes falava muito também com o meu pai, que já cá não está. A minha mãe tomou esse lugar, e juntamente com a minha mulher íamos falando da situação. Foi a eles a quem comuniquei primeiro.
[Mensagem no vídeo acima] Não estava a contar com esta...
Não, de todo. São palavras que me deixam muito emocionado, porque, de facto, tem sido uma amiga e uma companheira de vida. Tem-me apoiado muito neste trajeto longo e em que, de facto, houve momentos muito complicados, nomeadamente os primeiros, em que temos cinco anos de Benfica e nenhum título. Aí equacionamos se estamos no caminho certo. Sempre me apoiou e esteve lá para me ouvir nos momentos difíceis, nas derrotas.
Conheceram-se quando já estava no Benfica ou antes?
Ainda antes. Conhecemo-nos num verão, em que os dois éramos jovens. Começámos a namorar mais tarde, ainda estava eu no Paço de Arcos.
[No vídeo acima] É a Matilde…
Sim, a minha filhota querida, que tem sido um apoio enorme. Tenho a felicidade de os meus filhos me terem visto jogar…
É um privilégio?
Sim, é um privilégio que eles se possam recordar do pai a jogar. Sei que se vão recordar. Foi um privilégio poder tê-los na bancada.
E há vários momentos dos seus filhos com o Valter nas conquistas...
Sim. Como digo, tenho essa felicidade de terem estado em imensos momentos da minha história benfiquista. Guardo com imenso carinho, sei que eles também se vão poder lembrar disso e, portanto, sou um enorme privilegiado.
Como é que eles reagiram quando lhes disse que ia acabar a carreira?
Ficaram um pouco tristes, porque eles gostavam muito de ver o pai a jogar, à semelhança de toda a minha família. Penso que compreendem. Fui falando com eles, foi um processo gradual, foram aceitando, preparei-os bem. Fui tentando demonstrar a parte positiva disto, em que vão poder lembrar-se, que acompanharam, que puderam estar presentes em inúmeros momentos fantásticos.
O seu filho [no vídeo acima] já joga?
Sim, está na formação do Benfica. Nunca fiz pressão. Como eu jogava, ele sempre quis seguir o que o pai faz. Sempre o apoiei, fosse a modalidade que fosse. Aliás, ele quis experimentar futebol, fomos, mas depois ele não quis mais. A única coisa que lhe peço, seja em que modalidade for, é que se empenhe, que respeite os colegas, os adversários e os treinadores. Enquanto continuar no hóquei vou apoiá-lo, mas já lhe disse que não é uma exigência minha, tal como não o era à Matilde. Quero é que se empenhem e sejam felizes.
O Martim tem alguma coisa do pai? O estilo?
Acho que ele é bem mais irreverente. Eu era mais tímido, ele é mais traquina. É canhoto, eu sou destro. Não vejo semelhanças, as pessoas dizem que sim, mas eu não vejo. Claro que as pessoas vão sempre compará-lo a mim, mas isso não me interessa. Quero é que ele seja feliz.
Para além de ser profissional de hóquei, o Valter estudou, é empresário e também é pai. Conseguia acompanhar as rotinas dos seus filhos?
Nem sempre e só com uma boa estrutura familiar é que é possível fazermos esse acompanhamento à distância. Sempre que estou presente tento ser eu a fazê-lo, mas muitas vezes não estamos pelas vicissitudes da nossa atividade. A minha esposa faz sempre questão que eu esteja presente no sentido em que filma e manda-me tudo, faz quase uma reportagem completa daquilo que se passou, dele e dela, seja na escola, seja nas atividades, falamos imenso e ela acaba por fazer-me estar presente. Hoje em dia já temos todas essas tecnologias que nos podem ajudar.
[No vídeo acima] Que bonita mensagem da dona Marina e com uma homenagem ao seu pai...
É verdade. O meu pai foi o grande impulsionador de tudo, de eu ser Benfiquista, de eu ser jogador de hóquei. Sempre me acompanhou imenso ao longo de todo o processo, a minha mãe também, mas mais na vertente académica e o meu pai na desportiva. Sempre exigiu o máximo de mim e, enfim, era o meu confidente em todos os momentos. Falava muito com ele acerca de hóquei em patins e, infelizmente, já cá não está, mas sei que ele está feliz com o meu trajeto e, com certeza, está a apoiar-me sempre. Deu-me enormes ensinamentos que vou levar e que tenho em conta no meu dia a dia. Agradecer à minha mãe e ao meu pai tudo o que fizeram por mim.
O Valter é um grande exemplo porque conseguiu conciliar os estudos com o desporto de alta competição. Como é que o conseguiu fazer?
A verdade é que requer bastante sacrifício e disciplina. Não é fácil, de todo, por mais que eu diga que o fiz e que outros atletas fizeram, muitos até com distinção, a verdade é que não é fácil podermos ser atletas profissionais e ter uma carreira académica com sucesso. Eu penso que é isto mesmo que eu digo, muitas vezes temos de abdicar de outras situações, por vezes até de algum descanso, de tempo com os nossos amigos e temos de dedicar esse tempo àquilo que nós achamos que, naquele momento, naquele determinado fim de semana, naquela noite em que temos de ficar a estudar em casa, é mais importante para nós. Essa gestão, para mim, acabou por ter sucesso porque sempre fui bastante disciplinado nesse aspeto e consegui também ter tempo para os meus amigos nas alturas certas. Muitas vezes chegamos a casa cansadíssimos, eu lembro-me que na altura em que treinava no Paço de Arcos acabávamos treinos às 23h30, meia-noite e eu ainda tinha de ir para Alverca e Vila Franca e, depois, no dia a seguir, acordar cedo para ir para as aulas. Portanto, eu sabia que tinha de fazer as coisas todas antes de ir para o treino para, depois, quando chegasse, ir dormir para ter o máximo de tempo de descanso.
Para além disso, também se tornou empresário. Alguma vez chegou para um treino ou para um jogo a pensar naquela frequência que vai ter ou naquele assunto da empresa?
Eventualmente a caminho do treino – porque normalmente na competição consegui sempre tirar, salvo uma situação ou outra –, posso dizer que muitas vezes ia stressado com inúmeras situações, mas a verdade é que depois, a partir do momento em que entro no balneário, outra vida começa, outras conversas e dinâmicas surgem. Somos logo automaticamente catapultados para outro contexto que faz com que uma porta se feche e outra se abra e que nos permite manter o foco dentro daquilo que são as novas dinâmicas de balneário, de pista, da tarefa que temos pela frente. A verdade é que, muitas vezes, passado o momento do treino, acontece o inverso e a situação que nos deixava stressados anteriormente parece que não é tão stressante, há ali um descarregar de emoções, vamo-nos abstraindo tanto que depois a situação é quase secundária.
Já disse que os primeiros cinco anos no Benfica foram terríveis, sem títulos, mas depois a coisa ficou bem composta...
Tenho sempre a opinião de que peca por pouco. Em 17 anos poderia ter conquistado muito mais, mas, olhando para trás, sinto que sou um privilegiado pelo que consegui conquistar, tendo em conta os primeiros cinco anos em que o Benfica estava numa reestruturação total, em que estava a tentar encontrar o seu caminho, a tentar voltar a um patamar elevado de conquistas e de estabilidade.
Quem é que lhe incutiu o Benfiquismo?
Foi o meu pai, que era um enorme Benfiquista, Sócio desde sempre. Foi ele que me incutiu o Benfiquismo. A história da fotografia… o meu pai foi-me buscar ao jardim de infância e fez questão que tirássemos esta fotografia, com pose. Graças a Deus que fez isto, porque guardo este momento com carinho e tenho esta fotografia em grande em casa.
Um grupo de adeptos fez-lhe uma surpresa junto ao Pavilhão. Contava com isso?
Foi um daqueles momentos que me deixaram muito emocionado. A nossa história com estes adeptos tem sido muito bonita. Têm apoiado a secção, têm estado sempre com a secção, seja até onde for o Benfica. Portanto, contar com esta homenagem foi muito emocionante, porque o trajeto que tenho de Benfica contou com o apoio deles. Nos bons e nos maus momentos. E os maus momentos não são só as derrotas. Falo de uma deslocação a Vic, em que no regresso houve um acidente que terminou em tragédia. Têm estado ao nosso lado nos bons e nos maus momentos. Agradeço todo o apoio que nos têm dado.
Vamos falar de outra imagem. Quando passa na Rotunda Cosme Damião e vê a sua imagem onde estão só os Monstros Sagrados do Benfica, o que sente?
Fico com um orgulho imenso e é uma honra enorme poder estar com os que nos honraram, que fazem parte da nossa história, que marcam momentos incríveis. Para mim, é um orgulho enorme e agradeço eternamente aos adeptos por isso, tal como agradeço – e já o fiz – por todo o apoio que sempre deram à equipa.
O Benfica já anunciou que vamos ter uma despedida para o Valter com público. Só faltou isso na sua despedida...
Eu gostava de me despedir com público, junto de quem me é querido, dos adeptos da nossa casa, mas infelizmente nós não podemos escolher que vamos sair naquele dia com a casa cheia, com o título nos braços. Temos de escolher uma altura para o fazer e coincidiu que não fosse com os adeptos pelas vicissitudes do próprio momento, mas eu tenho a certeza de que tenho o apoio e a gratidão deles. Eles têm seguramente a minha eterna gratidão.
Para um Benfiquista como o Valter, o que sente ao entrar num pavilhão cheio de Benfiquistas?
Quando entramos numa casa cheia dos nossos adeptos, temos um sentimento de grande responsabilidade, no fundo, temos de lutar por eles. Muitas vezes aconteceu a equipa estar por baixo e os adeptos, com os incentivos e o apoio, acabaram por nos ajudar a dar a volta ao resultado. É muito bom. Poder conquistar algo com eles e partilhar isso, com o Estádio ou o Pavilhão cheio, é dizer-lhes: "Aqui está aquilo que nós vos queríamos dar."
Deve ter sido complicado jogar com os pavilhões vazios...
Pudemos ver isso em todo o mundo desportivo. Não é a mesma coisa. A emoção do desporto está associada à emoção dos adeptos, de jogar em casa com o público do nosso lado, de jogar fora com o público contra nós, dessa gestão de emoções e da pressão.
Qual foi o pavilhão onde lhe deu mais gozo jogar?
Em muitos. Na nossa casa obviamente, mas também nos pavilhões dos rivais. Gostava muito da adrenalina, de sermos os únicos dentro daquele espaço a lutar contra tudo e contra todos e de nos superarmos e conseguirmos. É uma sensação fantástica.
E aqueles pavilhões mais difíceis?
Sinceramente, e não estou a dizer só por dizer, eu tinha sempre enorme respeito por qualquer jogo fora. Obviamente, há alguns mais complicados. O dos nossos rivais diretos, o do Valongo e, pela Seleção, na Argentina e em Itália.
E a primeira conquista [Taça de Portugal] pelo Benfica, em 2009/10?
Foi um marco bastante importante, uma felicidade enorme por termos conquistado finalmente um título e foi quase um desbloquear, um clique, porque a partir daí tivemos uma trajetória ascendente de sucesso e estabilidade.
[No vídeo acima] O Ricardo foi um grande hoquista...
Agradeço as palavras do Ricardo. Para mim, ele sempre foi um enorme exemplo porque já tinha estado no Benfica, privou com jogadores fabulosos e foi um jogador fabuloso, de entrega enorme e profissionalismo gigante. Foi um excelente companheiro, um amigo e foi muito importante para o meu trajeto dentro do Benfica.
[Mensagem no vídeo acima] O que ficou mais dessa relação? Quer contar alguma história com o Luís Sénica?
Muito obrigado, professor. Passámos por momentos muito gratificantes, de muito ensinamento, entreajuda, evolução dentro do Benfica, com as primeiras conquistas e, depois, com aquilo que foi uma das conquistas mais importantes da história do Benfica. Foi sempre um treinador que gostava de ouvir os jogadores, privávamos muito, desabafávamos um com o outro e tivemos frutos muito positivos.
Depois há o título de Campeão Nacional em Almeirim…
Foi um momento muito importante, porque o Benfica já não era campeão há inúmeros anos. O Campeonato Nacional é sempre o objetivo principal, juntamente com os outros, mas o Campeonato Nacional tem um peso distinto. Conquistar este título foi recolocar o Benfica onde tinha de estar. Foi o estar ao mais alto nível. Foi um momento gratificante. O pavilhão estava a abarrotar, havia pessoas do lado de fora. Foi incrível e conseguimos dar a alegria aos adeptos.
A época 2013/14 foi a melhor do Valter?
A nível de golos, foi. Nós tínhamos perdido dois grandes goleadores, o Cacau e o Luís Viana, e, nessa época, assumi com o Pedro [Nunes] um estilo de jogo com mais protagonismo ofensivo, que até então não tinha tanto, e a verdade é que acabou por resultar em 50 e tal golos, também porque assumia as bolas paradas e consegui ter alguma eficácia nesse ano. Se me dissessem no início da época que ia fazer esses golos eu diria logo que era uma utopia. Culminou com um hat-trick na final da Taça de Portugal [com o FC Porto], coisa que para mim era completamente impensável.
[No vídeo acima] O seu último treinador, o único estrangeiro...
Tive a sorte e a felicidade de acabar a carreira com um treinador como o Alejandro [Domínguez], que trouxe uma escola e um método diferente e sinto-me privilegiado por ter aprendido e absorvido muitas coisas com ele, que me vão ser muito úteis para o resto da carreira. Ainda bem que não acabei a carreira sem passar por um treinador como ele, que me deu aqui uma outra perspetiva do hóquei e, portanto, obrigado também a ele.
[No vídeo acima] Mais um craque…
Sim. Obrigado ao João [Rodrigues] pelas palavras. Vivemos momentos fantásticos com ele, extrapolou o hóquei em patins, criámos uma boa amizade, uma boa afinidade. Ele é uma das figuras principais do hóquei em patins nacional, um ídolo para muitos praticantes. Que um dia possa voltar a nossa casa.
A primeira vez que o Benfica ganhou uma Liga Europeia foi em 2013 frente ao FC Porto. Foi memorável?
Sim. Todos [os títulos] são importantes, mas este terá sido, pelo sítio onde foi, pelos condicionalismos do próprio momento, o mais importante. O pavilhão [do FC Porto] estava incrivelmente a abarrotar… o grande significado deste momento, para além de ser casa do rival, tem que ver com o facto de ser a primeira vez que o Benfica consegue ser Campeão Europeu. O Benfica teve equipas fantásticas que, por uma razão ou outra, não conseguiram. O facto de nós termos conseguido é um privilégio enorme. Foi um marco histórico e que nos deixa muito honrados. Nunca vamos esquecer. Nem estávamos a acreditar. A Taça era superpesada e nós estávamos estourados, até por tudo o que aconteceu no fim de semana.
Quem é que marcou o golo [tento de ouro que dá o título], afinal? Foi o Diogo Rafael ou o João Rodrigues?
Foram os dois. Foi o Benfica. O que interessa é que a bola tenha entrado e o Benfica tenha conquistado este título.
[História no vídeo acima] Conte lá essa…
Primeiro que tudo, agradecer ao Carlos [López]. Foi um grande exemplo. Quando chegou ao Benfica já era um craque enorme, que dispensava apresentações. Já tinha vencido tudo. O curioso é que ele tinha uma humildade, um carisma e companheirismo enormes quando chegou ao Benfica. Quando esperávamos uma estrela – e ele era – recebemos um homem simples, brincalhão, um trabalhador muito dedicado e um amigo do seu amigo. Ele diz que me ensinou a fazer a "picadinha", mas a verdade é que nunca a fiz como deve de ser. Mas tentei.
Em 2013/14, o Benfica conquistou a Taça Intercontinental. Foi Campeão do Mundo!
Este título de Campeões do Mundo representa elevar o hóquei em patins do Benfica ao patamar mais alto, de conquistar o título mundial de clubes. O título mais importante é a Liga Europeia, porque a competitividade é maior. Antes jogávamos contra o campeão sul-americano. Agora é mais difícil conquistar este título, porque joga-se num sistema de final four e é mais complicado ganhar. Não deixa de ser um marco significativo na história do Benfica.
Em 2015/16 há a Liga Europeia na Luz e o Campeonato Nacional conquistado no dia anterior...
Outro momento muito marcante, num fim de semana histórico. Estamos a jogar a meia-final com o Barcelona e começamos a ouvir, vindo do banco de suplentes e das bancadas, "campeões, campeões". Não estávamos a perceber, mas realmente tínhamos sido campeões, porque o FC Porto tinha perdido pontos. Foi um misto de emoções, mas deu-nos muita força. Vencemos o Barcelona na meia-final. Culminámos esse fim de semana com a conquista da Liga Europeia. Nesse dia, o futebol jogou e conquistou o Tetra. Foi fantástico!
[No vídeo acima] Tiago Rafael faz parte do Bicampeonato Nacional, ele faz parte dessa equipa...
Sim. É verdade que joguei com o irmão dele [Diogo Rafael] muitos anos, mas o Tiago jogou comigo no Paço de Arcos nas camadas jovens, nos seniores, nas seleções nacionais… está comigo na conquista do Europeu de Juvenis. Jogávamos um contra o outro em miúdos. Até tínhamos uma brincadeira, porque ele ia sempre ganhar o torneio a Alverca e eu ia ganhar a Turquel. Acaba por ser outra das amizades que extrapolaram para fora do hóquei em patins. A ele, um muito obrigado por tudo o que me ajudou, pela sua amizade, pela sua companhia.
O Valter Neves é um capitão carismático. Preocupa-o a sucessão para capitão do Benfica?
Há gente competente para dar o seguimento de ter a braçadeira. O Pedro [Henriques] é, de facto, um deles, que pode capitanear a equipa. Tenho a certeza que vai ficar bem entregue, pois todos têm uma história e experiência. Eu, ao longo do meu trajeto, como capitão, fui fazendo com que todos fizessem parte do processo, e o Pedro tem sido uma das pessoas que têm assumido essa responsabilidade. Pode ser o meu sucessor. O Diogo [Rafael] também tem uma palavra a dizer pela história que tem no Clube. Há gente apta e motivada para o fazer. Vamos ter anos risonhos nesta secção.
[Mensagem no vídeo acima] O que é que mais aprendeu com Carlos Dantas?
Quero agradecer as palavras. Sempre foi muito assertivo nas palavras, no que transmitia. Tenho pena que não tenhamos conquistado títulos no Benfica, na altura. Estivemos perto de o conseguir. Ensinou-me muita coisa, até a saber comportar-me dentro do Benfica.
É ele que lhe atribui a braçadeira de capitão?
É. Foi com ele que sucedi ao Mariano [Velázquez]. Na altura, já era o subcapitão e com a saída dele assumi a braçadeira com o Carlos [Dantas] ainda como treinador. Quero agradecer tudo o que me ajudou e ensinou.
Qual foi o melhor treinador que teve na carreira?
Todos me ajudaram muito.
Por que razão jogava com o número 2?
Comecei no Alverca com o 2. Foi o meu primeiro número. Ninguém quer o número 2 e talvez tenha sido por isso que comecei a jogar com ele. No Alverca ainda fui o 8 e 9, mas quando fui para o Paço de Arcos tinha o 2 disponível, agarrei-me a ele e nunca mais larguei.
Qual foi o melhor jogador com quem jogou?
Não posso dizer só um. Carlos López, o João Rodrigues, o Diogo Rafael… até nos guarda-redes: o Guillem [Trabal], o Pedro Henriques. Todos me ajudaram imenso.
Qual o seu cinco-base?
Trabal, Carlos López, João Rodrigues, Diogo Rafael e Ricardo Pereira. Estou a deixar muitos de fora. É injusto.
Qual foi o adversário mais difícil que defrontou?
Tive muitas dificuldades com o Pablo Alvarez, do Barcelona. É um jogador muito evoluído tecnicamente.
A sua principal virtude e o seu principal defeito como jogador?
O maior defeito é que não sou tecnicamente muito evoluído, nunca fui. Precisava de muitas oportunidades para marcar um golo. A maior virtude é que me matava até conseguir. Sempre fui muito trabalhador. A maior virtude talvez seja o espírito de sacrifício.
O melhor jogo da sua vida?
Tenho de escolher as duas conquistas das Ligas Europeias.
E treinador? Alguma vez pensou nisso?
Nunca tive essa ideia. Fui sempre pensando noutro tipo de funções, talvez por ter sido capitão. A vida no Benfica exigiu-me coisas que me levou a esta função [team manager].
Qual era a sua referência no hóquei em patins em criança?
O Vítor Fortunato, e toda aquela equipa do Benfica. O Luís Ferreira, o Paulo Almeida, o Rui Lopes… No Torneio de Alverca, que marcava o fim da época, iam equipas de todo o mundo, e também o Benfica. Ainda hoje tenho uma joelheira assinada por todos os jogadores do Benfica dessa altura.
O que podemos esperar de si nesta nova função? O que vai fazer?
Ainda estamos na fase de término de época, a pensar no que pode ser o futuro imediato da modalidade. Estou a acompanhar o processo do que poderão ser as novas funções. Decidi, desde já, entrar nesse processo para ter maior andamento e não perder mais tempo até à próxima época.
Numa última mensagem: o que lhe vai na alma?
Não posso deixar de agradecer à instituição Benfica, porque me ajudou a ultrapassar muitos momentos. Fez de mim o homem que sou hoje. No Benfica terminei a faculdade, casei, fui pai, perdi o meu pai… o Benfica esteve em todos estes momentos. Tenho de agradecer, porque foi um processo lindo. Obviamente com o apoio dos adeptos, desta massa Benfiquista que é a grande força do Benfica e que está presente nos bons e nos maus momentos. Ser Benfiquista é viver o Benfica todos os dias e defender o Benfica. A última palavra será sempre: obrigado!
18 junho 2021
Valter Neves: 17 anos de Mística