Voleibol

28 março 2023, 12h55

Thales Falcão

Thales Falcão com a Taça de Portugal

Chegar ao Benfica, para jogar numa das suas equipas, é como ultrapassar uma espécie de portal para uma nova e admirável realidade. A dos títulos ou, pelo menos, a da exigência de os conquistar. Foi com essa nova realidade que Thales Falcão, o único reforço da equipa masculina de voleibol, se deparou assim que chegou a Lisboa e ao Clube. Trazia a grandeza do Benfica nas expetativas que tinha criado a si próprio, mas foi nas sensações que se deu a primeira grande transformação.

Na entrevista concedida ao programa "Protagonista", da BTV, que também pode ser lida na edição de 24 de março do jornal O BenficaThales Falcão exaltou a possibilidade de poder lutar por títulos, algo novo numa carreira construída a pulso. Após erguer a Taça de Portugal, o central brasileiro vai ter, agora, a oportunidade de se estrear numa final do Campeonato Nacional e ajudar o Benfica a lutar pelo Tetra.

Thales Falcão

A EXIGÊNCIA DE GANHAR

"Quando cheguei, sabia da responsabilidade que é representar o Benfica, conhecia o tamanho e a imensidão deste clube, tanto nas modalidades como no futebol. No começo, isso motiva-nos a querer sempre mais, a querer lutar por títulos. Eu recebi essa exigência de braços abertos, é importante para um atleta ter essa 'conversa' diária de lutar por tantos títulos, todos os dias ter essa cobrança de querer sempre mais. É isso que nos faz ser melhores atletas, ser melhores pessoas."

O ABRAÇO DOS ADEPTOS

"O que mais me surpreendeu foi o abraço que recebemos dos torcedores, dos adeptos do Benfica. Olhamos para a bancada e vemos a torcida sempre a apoiar-nos, sempre a incentivar. É uma força incrível que recebemos, nos bons e nos maus momentos, porque são eles que nos vão buscar nos momentos difíceis. E isso obriga-nos também a ir buscar forças, é isso que nos faz dar sempre mais. O Benfica é incrível. No Brasil, é normal nós sentirmos o apoio dos torcedores nos jogos em casa. No Benfica, não: sentimos esse apoio em casa, na ilha da Madeira, no Porto e até fora, na Liga dos Campeões. Nós recebemos o apoio do torcedor do Benfica em qualquer lugar do mundo. Isso não era comum no Brasil, e surpreendeu-me bastante aqui."

O GIGANTISMO DO BENFICA

"Eu sabia que o Benfica era um clube enorme, mas não tinha noção do seu gigantismo. É algo que nós só sabemos quando vivemos por dentro. Eu ligo para a minha família, no Acre, ligo para a minha mãe, tentando explicar-lhe a imensidão do que estou a viver, e ela tenta captar isso. Mas ainda não tem a certeza do que é o tamanho do Benfica. Isso, só se sabe vivendo por dentro."

Thales Falcão

"Nós recebemos o apoio do torcedor do Benfica em qualquer lugar do mundo. Isso não era comum no Brasil, e surpreendeu-me bastante aqui"

Thales Falcão

QUE HISTÓRIA DE VIDA

"Eu venho de um estado que não investe muito no desporto e na cultura. Sou do interior, de um estado com poucos recursos. A minha família é muito humilde. O meu pai saiu de casa muito cedo, eu tive de cuidar da família porque a minha mãe trabalhava fora, tive de aprender a fazer comida para os meus irmãos... Com 6 ou 7 anos, já cozinhava o básico, o arroz, o feijão, aquilo que a minha mãe ensinou-me. Agora, já cozinho para a minha família e gosto de estar na cozinha, de fazer um prato diferente. Só não faço bolos."

O VOLEIBOL NA IDADE ADULTA

"O voleibol apareceu na minha vida já na fase adulta, tinha 17,18 anos. Eu já trabalhava, porque na minha cidade não há universidades e só fazemos o ensino médio. Eu vendia eletrodomésticos. Descobri o vólei na minha cidade numa quadra de voleibol de terra batida que lá existia e comecei a praticar, no quatro contra quatro, para me aliviar do stress diário. Na minha cidade não havia Internet, e o vólei servia para me distrair. Todas as quartas e sextas-feiras encontrávamo-nos para jogar. Até cheguei a fazer gazeta na escola, para chegar mais cedo, e estive quase a reprovar em Arte, devido às faltas que tive. Chegava à quadra, tentava jogar, e os amigos mais velhos não me deixavam, por isso, eu ficava a bater bolas sozinho, à espera de uma oportunidade. Ao fim de duas, três horas a jogar, eles lá chamavam-me... Jogava cinco minutos, e depois eles iam-se embora. Depois, eu tirava a rede e, no dia seguinte, chegava mais cedo para a voltar a colocar."

O DIA EM QUE TUDO MUDOU

"Entretanto, fui crescendo, fui jogando mais, e um dia chegou uma oportunidade de jogar um amigável contra uma equipa da capital, Rio Branco. Tivemos de pedir ajuda a um treinador de lá porque jogávamos quatro contra quatro e não sabíamos jogar o seis contra seis. Não sabíamos o 'rodízio' que era necessário fazer, quem atacava na saída ou na ponta, não tínhamos a cultura do voleibol moderno. Ganhámos por 3-0 e, na semana seguinte, noutro amigável, voltámos a ganhar. Assim que acabou o segundo jogo, o treinador da equipa de Rio Branco chamou-me para jogar pela sua equipa, que iria ter um jogo na semana seguinte em Rondônia, Porto Velho. Tivemos de fazer uma viagem de 14 horas, de autocarro. Vi aqui uma oportunidade de conquistar novos mundos, uma oportunidade de sair do Acre. Eu tinha, agora, uma chance."

Thales Falcão

"Eu sabia que o Benfica era um clube enorme, mas não tinha noção do seu gigantismo. É algo que nós só sabemos quando vivemos por dentro"

O PONTO DE VIRAGEM

"Nesse jogo fiquei no banco. Jogámos sete partidas, e na última delas, no último ponto, colocaram-me para jogar. Eu tive a sorte de ter um rally, naquele momento, a bola sobrou para mim, ataquei, a bola pegou na rede e caiu, e nós ganhámos. Fiquei muito feliz, e, quando já estava na bancada, um rapaz que jogava na equipa do Porto Velho perguntou: ‘Vamos jogar voleibol profissional?’, assim do nada. E eu respondi que sim. Ele não esperava uma resposta tão direta. Isto foi em 2014, passei-lhe o meu número de telemóvel, ele falou com a minha mãe, e foi tudo rápido porque, na semana seguinte, já tinha jogo. E, em duas semanas, tudo mudou na minha vida."

VIAGEM DE IDA

"Em 2015, joguei no meu clube como profissional, no Caramulo Vólei. Saí do Acre, mas, como não tinha dinheiro para pagar a passagem, tive de pedir algum emprestado a um amigo, um empresário. No escritório, ele disse-me que só tinha passagem de ida, mas eu fui à mesma. Falei com a minha mãe e informei-a de que, se não desse certo, eu arranjava-me e que, se fosse preciso, eu trabalhava nas indústrias que existiam por lá. Ou, então, regressava ao Acre de boleia. Era uma oportunidade única, e por isso saí. Nunca tinha andado de avião e, quando cheguei ao aeroporto, só havia um voo, e mesmo assim achei aquilo tudo muito grande. Era tudo gigante, para mim."

O OPOSTO DA CARREIRA

"Comecei a jogar como oposto, em 2015, quando comecei como profissional. Mas havia um oposto muito bom na equipa, e vi que não jogaria tão depressa, por isso comecei a jogar a central. O treinador não via grande futuro nisso, mas todos os dias, quando acabava o treino, eu chamava o levantador e treinava no meio. Até que surgiu uma oportunidade de jogar como central, que correu bem, nós ganhámos. Foi aí que começou a minha carreira como central."

O ÚLTIMO A SAIR DOS TREINOS

"Sou muito focado nas minhas conquistas, nas metas que defino para a minha carreira. E o treino é a única maneira de conquistarmos novos desafios e novas oportunidades. No Benfica, eu não sou dos primeiros a chegar, mas sou dos últimos a sair. Por vezes, o treinador diz que já chega, mas eu fico mais um pouquinho. Tento sempre procurar o meu melhor."

Thales Falcão

"Estamos à espera que o nível da equipa esteja no seu top, agora no play-off"

JOGOU CONTRA MARCEL MATZ

"No Brasil, disputei seis Superligas brasileiras, mas só fui campeão na Segunda Superliga. Por isso, a Taça de Portugal foi tão importante para mim. Depois de seis anos, chegou o convite do Benfica. Já conhecia o treinador [Marcel Matz], do Brasil, pois joguei contra ele, e ele também já me conhecia. Vi nisso uma boa oportunidade, estávamos alinhados. Para um atleta, as coisas ficam mais fáceis quando já existe esse conhecimento mútuo."

O NÍVEL DA CHAMPIONS

"A primeira conversa que tive com o Marcel Matz diferiu do que imaginava. Ele já está em Portugal há muito tempo, e perguntei-lhe como trabalhava, como era o jogo em Portugal. Foi aí que vi que o Benfica é uma equipa muito grande, que entra sempre para ganhar. Mesmo na Champions, que é o mais alto nível do voleibol. Eu joguei a Superliga brasileira, mas ela não se compara com a Champions. E, nesta competição, acredito que o Benfica está a preparar-se bem para competir. O problema é que, em Portugal, não temos a hipótese de competir a esse nível, e nós precisávamos de o fazer."

O TÍTULO QUE PERSEGUE

"Estamos à espera que o nível da equipa esteja no seu top, agora no play-off. É natural que, durante a temporada, existam oscilações. Mas, ainda agora na final four da Taça de Portugal mostrámos esse nível. Procuramos vitórias, e termos vencido a fase regular do campeonato é importante para conseguirmos ganhar a competição. Temos treinado bastante."

Texto: José Marinho
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 21 de março de 2024

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