"O Benfica é a minha primeira pele"

Frases soltas são, por vezes, a maneira como identificamos uma pessoa, uma identidade, um desejo ou simplesmente o amor a uma camisola. A seis meses de se tornar advogada, Inês Matos, fixa da intransponível equipa feminina de futsal do Benfica, veio ao programa "Protagonista", da BTV, estender, ao longo de 30 minutos, todo um benfiquismo que é o revestimento de 155 centímetros de caráter e ilusão clubística.

Retenho duas frases, como o imaginário solto e descaído de qualquer adepto: "Eu uso sempre uma camisola interior invisível, que é a do Benfica. E essa, nunca a dispo", ou, mais liturgicamente, "O Benfica não é a minha segunda pele, é a primeira".

Como se revê no Clube é uma espécie de borderline pessoal, um receio de que o Benfica possa deixá-la num abandono inconsolável. Por isso, não permite separações, nem físicas, nem invisíveis. É apaixonante escutar o benfiquismo de Inês Matos e sobretudo aquele som gutural que chega do coração.

Poucos dias depois de ter vencido a sua primeira Taça de Portugal, Inês Matos apresentou o seu caso, perante o juiz que ela mais escuta e admira, o povo benfiquista, que, assim, passa a conhecê-la melhor. E como vale a pena conhecer a talentosa jogadora do Benfica.

"Foi a minha primeira Taça, recuperámos esse troféu para o Benfica, e para mim teve um sabor especial, porque nos custou imenso perdê-lo na época passada. Tínhamos de trazer a Taça para o nosso museu desta vez", salientou Inês Matos na entrevista, também publicada na edição de 21 de abril do jornal O Benfica.

"ESCOLHI SER BENFICA"

A vitória na Taça de Portugal não desvia Inês Matos da sua matriz preferida. Uma espécie de cruz que carregou pelo calvário das derrotas, na época passada, mas que tornou a equipa num santuário de benfiquismo.

"Eu escolhi ser de algo, eu escolhi ser do Benfica. Não sou antinada, não sou do Benfica contra ninguém, e, quando perdemos as duas taças, na última época, principalmente a Taça de Portugal, unimo-nos muito mais, fomos muito mais Benfica, concentrámo-nos no que tínhamos para fazer para conquistarmos o Pentacampeonato. E conquistámos, de forma brilhante. Estou sempre a reviver o jogo do título, a reviver o ambiente, foi espetacular. Mais de duas mil pessoas no pavilhão, tiveram de fechar as portas para que não entrasse mais ninguém. Foi um nível de benfiquismo que eu nunca tinha vivido enquanto atleta. São já 10 anos de futsal, e nunca tinha vivido um ambiente daqueles. Só o Benfica para viver isto."

LIBERDADE NO COMEÇO

"Comecei a jogar no Liberdade, porque tinha uma prima que jogava lá, e desafiou-me, foi assim que comecei a jogar. Experimentei, uma vez, o futebol, gosto muito de assistir, mas não é a minha praia. Não nasci para jogar em espaços grandes. Só futebol de rua, em campos pequenos, sintéticos. Gosto do futsal porque estamos sempre a pensar, o futsal exige isso de nós, é muito mais intenso, estamos sempre dentro do jogo, não há ninguém de fora, está toda a gente dentro. Cheguei ao Benfica para jogar nos Infantis masculinos, com o míster Pedro Santos. Esse projeto nasceu nesse ano, e jogar com rapazes foi difícil, mas desafiou-me, testou-me os limites, e foi muito importante para a minha evolução. Hoje, sou a jogadora que sou, porque, nessa altura, fui muito desafiada, especialmente do ponto de vista físico."

METER A QUINTA... DOS LOMBOS

"Quando saí para o Quinta dos Lombos, tinha de o fazer. Era muito nova e precisava de jogar. E o Benfica tinha, e continua a ter, muita competência no seu plantel. Tinha de sair, ganhar rotinas de jogo, crescer como jogadora e depois, eventualmente, voltar. E cá estou de novo. Dei um salto de qualidade, cresci fisicamente, eu que era muito franzina, muito pequenita – não que seja grande, agora –, mas sinto- -me capaz de treinar e jogar com as melhores. Estou mais forte, mais capaz."

INÊS FERNANDES COMO MODELO

"A Inês [Fernandes] é a pessoa com quem mais me identifico a jogar. Porque joga na minha posição, mas, acima de tudo, porque é um exemplo. De liderança, de benfiquismo puro. E essa é uma das nossas forças. Podemos ser as melhores atletas, podemos ser tecnicamente muito dotadas, mas se não tivermos os valores e os princípios que nos são incutidos à entrada do balneário... Tu estás aqui, lutas pelo Benfica, dás tudo pelo Benfica. Este é o lema, dar tudo por esta camisola. E a Inês Fernandes é uma das atletas que mais nos fazem sentir isso."

SENTIR O BENFICA NA PELE

"Na prática, quando vou para o campo, visto duas camisolas: a do equipamento e a outra que nunca despimos, que é a do Benfica. Pode ser invisível, mas pesa mais. Digo sempre isto, a brincar, à minha mãe, que tenho sempre uma camisola interior invisível. Não é a minha segunda pele, é minha primeira pele."

CONTINUAR A GANHAR

"Quando as características das jogadoras, as características do plantel, são de grande exigência, quando treinamos como se fosse a final da Liga dos Campeões, queremos sempre mais, muito mais. Essa é a parte difícil, e nós sabemos disso, que o mais difícil não é chegar ao topo, é mantermo-nos lá. Mas, com o que exigimos a nós próprias, acho que vamos continuar a ganhar durante mais alguns anos."

EUROPEU E MUNDIAL

"Não estava à espera de ser convocada, tinha ido aos últimos estágios da Seleção, antes do Euro. Foi uma sensação boa, toda a gente gosta de representar o país e de vestir a camisola da Seleção. E, depois do Europeu, vamos ter, finalmente, o Mundial. É um enorme passo em frente que o futsal feminino está a dar, e, para que isso acontecesse, foi muito importante a ação da Associação de Jogadoras em Espanha, com vários apelos à FIFA." 

PROFISSIONALISMO

"O profissionalismo é um desafio para o futsal feminino. Não acredito que isso seja uma realidade na minha geração, mas acredito que chegaremos a esse patamar. Talvez devamos começar por uma solução intermédia. Dou o meu exemplo, que pratico o futsal a um nível muito alto e não prescindo do meu curso e dos meus objetivos fora do futsal. Mas seremos uma geração que vai abrir portas para as gerações futuras, disso não tenho dúvidas."

MELHOR PLANTEL DE SEMPRE

"É mesmo o melhor plantel da história do futsal feminino e da história do Benfica. Temos jogadoras com um bocadinho de tudo, com características específicas, num misto de juventude e de experiência. Para chegarmos aqui, foi importante o regresso da Fifó e da Janice e que algumas de nós tivéssemos acelerado o nosso crescimento, na época passada. O ano passado obrigou-nos a crescer, não havia outra hipótese. Tínhamos de crescer, tínhamos de nos chegar à frente, de outro modo não teríamos vencido o Campeonato."

LIGA DOS CAMPEÕES

"Acho que não está assim tão longínqua a organização de uma Liga dos Campeões, pela UEFA, mas acho que ainda poderá demorar um pouco. Foi bom a FIFA ter dado o passo de organizar o Mundial de seleções, porque isso pode influenciar a UEFA a dar um passo semelhante com a Liga dos Campeões de clubes. E o plantel que temos merece uma competição dessas, o Benfica merece, pela aposta que tem feito na modalidade. Acredito que a nossa geração ainda vai apanhar a Liga dos Campeões. Seria lindo ganhar uma Champions, ainda para mais com a camisola do Benfica. E, se a viermos a disputar, é para ganhar, para dar o nosso melhor e jogar um futsal de qualidade. Não há outra forma."

PLAY-OFF DE CAMPEÃO

"Vamos estar na máxima força e vamos querer ganhar. É a nossa mentalidade, e não é agora que vamos mudar. Ganhámos a Supertaça, as Taças de Portugal e da Liga, falta o Campeonato. Vamos atrás do 6.º título consecutivo. Contamos com o apoio dos nossos adeptos, queremos um ambiente como aquele do jogo 3, da final da época passada. E mesmo, na fase regular, frente ao Nun’Álvares, no nosso pavilhão, nesta temporada, tivemos um ambiente muito bom. É o que espero dos nossos adeptos, que nos empurrem para a vitória. Além de que os adeptos sintam que nós não somos apenas jogadoras do Clube, somos também adeptas. E que gostamos da aproximação aos nossos, porque temos uma ligação natural. Esta é a ideia que nós temos do que é ser Benfica. O Benfica é esta aproximação, sempre foi um clube do povo, um clube humilde, e não faz sentido criar barreiras."