Voleibol

21 outubro 2023, 10h00

Marcel Matz

Marcel Matz

É um dos mais reconhecidos anátemas da alta competição. Ainda mais difícil do que ganhar é continuar a ganhar. Somam-se os desafios, os obstáculos a transpor, e as vitórias sucedem-se umas às outras, mas existe um perigo à espreita. O do relaxamento. Com Marcel Matz não é assim. O vitorioso treinador da equipa tetracampeã de voleibol mantém a sede de vitórias, e esse é um dos princípios a que não renuncia.

mais de cinco anos no Benfica, o técnico brasileiro trouxe uma nova abordagem ao jogo, uma relação muito desenvolvida com os jogadores, com os adeptos e com todo o meio social e desportivo que o envolve, iniciando uma renovação do plantel tranquila, sem dores de parto. Uma espécie de cesariana, com o bisturi amavelmente a entrar na pele de uma equipa unida, mas que, no ano anterior à chegada de Marcel Matz, perdeu amarga mente o título para o Sporting, com decisões de arbitragem muito discutíveis que prejudicaram a equipa treinada pelo professor José Jardim.

A sucessão deu-se, e, quando Marcel Matz chegou ao Benfica, o desafio que estava perante si não era o mais cómodo para quem tinha largado tudo no Brasil e tinha apostado em trazer toda a sua família consigo.

Marcel Matz

"Sinto que criámos uma imagem do Benfica. Aliás, na verdade, ela já estava criada. Mas tenho de destacar a minha equipa técnica"

Marcel Matz

Quando chegou ao Benfica, há mais de cinco anos, previa ganhar tantos jogos, tantos títulos?

Não foi fácil, no início. Eu não tinha muita noção do que estava para trás, a não ser o trabalho excelente do professor José Jardim, que, entretanto, continuou connosco e continua sendo uma pessoa que nos ajuda bastante com o seu conhecimento. Mas a verdade é que cheguei com o espírito de ficar. Trouxe a minha família comigo, sabia que era um risco, mas vim com a ideia inicial de me fixar no Benfica.

Mas assumiu esse risco, familiarmente, porque chegou do Brasil, trazendo consigo três filhos muito novos. Como foi o impacto inicial?

Na verdade, no início temia que as coisas pudessem não dar certo. Não é uma tomada de decisão muito fácil, sair do Brasil e trazer connosco a nossa família. Mas tinha de ser, porque eu já tinha tido uma experiência no Japão e detestei ficar longe da minha mulher e dos meus filhos. Não poderia repetir essa experiência.

Quando chegou, como encontrou a equipa?

Eu não conhecia a equipa muito bem. Tive de começar por aí, conhecer os jogadores, estabilizar as ideias, e confrontámo-nos, nesses dois primeiros anos, com um Sporting muito forte. Na minha opinião, tinham até um plantel melhor que o nosso, com mais experiência, com jogadores internacionais. Mas logo na Supertaça vencemos de forma clara, por 3-0, e as coisas alinharam-se. Conseguimos criar um espírito muito bom, que até hoje se mantém, e ganhámos o campeonato de uma forma indiscutível.

Sente que criou uma equipa à sua imagem?

Sinto que criámos uma equipa à imagem do Benfica. Aliás, na verdade, ela já estava criada. Mas tenho de destacar a minha equipa técnica, que faz um trabalho incrível. De análise da nossa equipa, dos adversários, do treino. É uma equipa técnica que pode treinar em qualquer parte do mundo. Muita competência e muita lealdade. E, claro, muito trabalho. O sucesso da equipa do Benfica dá muito trabalho, a todos nós.

Costuma levar o trabalho para casa? A tensão da alta competição, a exigência de ganhar?

Tem de ser. Sou o responsável pela minha família, a minha mulher não trabalha, para se dedicar aos filhos, tenho de ser muito exigente comigo e não posso facilitar. Muitas vezes, estou em casa e imagino uma jogada que quero experimentar, preparo novos desafios para os jogadores. Mas, claro, concilio isso com o tempo para a família. Quero ver os meus filhos crescer, quero estar com eles.

Marcel Matz

"Vamos ter mais uma oportunidade de jogar a melhor competição de clubes do mundo, defrontar grandes equipas, jogar em pavilhões cheios"

AS 201 VITÓRIAS

Recentemente atingiu as 200 vitórias pelo Benfica, e logo no dia a seguir somou mais uma. Atribui alguma importância especial a este número?

A maior importância foi a de ter conseguido essas vitórias pelo Benfica. É um clube marcante, que tem condições ao nível dos melhores do mundo. É difícil imaginar que possa haver algo que o Benfica não tem. Mas essas vitórias só têm um significado especial se continuarmos a vencer, se continuarmos a trazer os troféus para o Museu.

Mas era algo que pensava que pudesse alcançar em tão pouco tempo?

Temos sempre esse pensamento, de ganhar. Uma das coisas de que rapidamente me apercebi, no Benfica, é que a exigência é sempre a de ganhar. Mas para exigir é preciso dar condições, e o Benfica dá. Por isso, exige em troca. Mas, sinceramente, não penso muito nessas vitórias, porque não são vitórias do Marcel, são vitórias de uma equipa, de muitos jogadores, de uma equipa técnica, de um staff, de todos os nossos adeptos, que têm sido, desde o início, o nosso sétimo jogador. Seja fora, seja em casa e até na Europa.

Foram 201 vitórias em 231 jogos oficiais. E o que se verifica é que a competição onde o Benfica registou mais derrotas foi na Champions.

Mas esse é, também, o mérito da equipa. Estar na Liga dos Campeões. E, desde que nos apurámos, pela primeira vez, temos ido sempre, excetuando no ano da pandemia. Isso é muito bom, porque o Benfica já é reconhecido internacionalmente no voleibol. Mas temos a noção das dificuldades. Sem desprimor para os nossos adversários em Portugal, a nossa liga não nos prepara totalmente para a Champions. São realidades muito diferentes, patamares diferentes.

Marcel Matz

"Uma das coisas de que rapidamente me apercebi no Benfica, é que a exigência é sempre a de ganhar"

A EXIGÊNCIA DA LIGA DOS CAMPEÕES

Neste ano, mexendo pouco no plantel, a ideia que temos é a de que foram contratados jogadores para elevar o nível da equipa na Champions…

Nós contratámos um central canadiano, que é um jogador muito regular, e o Banderó, que tem muita experiência internacional. Mas a questão que nós quisemos acautelar foi a do equilíbrio do plantel. Saiu o André Lopes, da zona 4, um dos jogadores de maior experiência, e nós trouxemos de volta o Nuno Marques, que tem um grande potencial. Mas é um jogador jovem. Logo, na posição de oposto, saiu um jovem, o Nikula, e então precisávamos de incorporar experiência. Portanto, estamos equilibrados, mas para a Liga dos Campeões vamos precisar de toda a gente a 100%. Não basta jogar nos 70% ou 80%, porque aí não temos hipótese. Tem de estar nos 100%.

E mesmo assim, não há garantia de sucesso, porque vamos defrontar equipas muito fortes.

A este nível não há garantias de sucesso. Temos um bom plantel, muito competitivo, e mesmo nos treinos conseguimos incentivar essa competitividade. Muitos treinadores, em Portugal, dizem que o Benfica poderia fazer duas equipas de nível semelhante. Vemos isso nos treinos, e isso prepara-nos para as dificuldades da Champions e da época. Mas temos de dar o nosso máximo, sabendo que, perante adversários como os que vamos defrontar, o máximo pode não chegar. São grandes equipas, e os adeptos do Benfica precisam de ter essa consciência. Mas, mais do que isso, devem aproveitar o facto de poder assistir a voleibol de altíssimo nível, com grandes jogadores. Mas vamos lutar para ganhar. Não há outra forma.

Na época passada, estiveram a um pequeno passo de surpreender a Europa, em Itália.

Por isso é que não vamos entregar nada de mão beijada. Sabemos que é muito difícil enfrentar estas equipas, mas também já passámos pela experiência de que é possível ganhar sets e ganhar jogos. Estamos na Champions e temos de aproveitar para competir e evoluir.

A exigência da Liga dos Campeões, as viagens, o cansaço, isso pode ter custos, depois, nas competições internas?

Não aceito essa conversa. Se vamos pensar assim, então mais vale ficar em casa, ficar aqui a treinar. Vamos ter mais uma oportunidade de jogar a melhor competição de clubes do mundo, defrontar grandes equipas, jogar em pavilhões cheios. Não existe maior motivação que essa. Se vamos viajar, fazer escalas, dormir um pouco menos, que seja. Há muitas formas de fazermos a recuperação.

Artigo publicado na edição de 20 de outubro do jornal O Benfica

Texto: José Marinho
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 21 de outubro de 2023

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