Taekwondo

22 abril 2024, 10h00

Rui Bragança

Rui Bragança

Fim da linha. Em entrevista ao programa Protagonista, Rui Bragança anunciou a sua retirada do taekwondo, modalidade que ajudou a guindar a um inédito plano mediático. A parceria com o Benfica permitiu-lhe o profissionalismo e o reconhecimento dos media e dos adeptos. Tornou o taekwondo uma modalidade mais relevante, e os seus homéricos resultados deram o impulso de que a Federação precisava, depois de alguns anos em que lhe foi retirada a utilidade pública.

Agora, para Rui Bragança, depois do taekwondo, sucede a medicina, que já pratica, em ambiente de urgência hospitalar de trauma e na emergência médica, mais conhecida por VMER. Para a sua atividade médica, Rui Bragança reconhece que leva algumas coisas da sua prática desportiva de alta competição.

"Muitas das pessoas que encontro estão nos piores momentos das suas vidas, algumas correndo risco de vida. É necessário atuar depressa, mas com precisão. Todos os detalhes contam para salvar uma vida, e isso é algo que trago da alta competição, tal como a concentração que as emergências médicas exigem. A alta competição deu-me isso, a forma como lido com o stress, como me preparo mentalmente, porque muito do nosso treino não é físico, é mental. Em muitas situações de combate e de pré-combate, como educamos a mente e como a preparamos conta demasiado. E levo isso para a minha atividade médica. O que faço, neste momento, era algo que tinha planeado fazer daqui a alguns anos, mas a oportunidade surgiu, e cá estou eu, a dar o meu melhor e a crescer, todos os dias, como médico", adiantou Rui Bragança, ex-campeão europeu de taekwondo.

Rui Bragança

"Penso nos resultados como uma forma de me sentir realizado. Mais do que amargurado, neste momento, sinto-me feliz pelo que alcancei [...] Esta é a altura ideal para arrumar os coletes"

Rui Bragança

HERANÇA PESADA

Questionado se os seus resultados, as suas conquistas e as várias medalhas ganhas em Europeus, Mundiais e Grandes Prémios significavam um legado para a modalidade, o atleta olímpico do Benfica revelou um invulgar desprendimento. Foi campeão europeu, duas vezes, esteve em Jogos Olímpicos, foi vice-campeão do mundo, vencedor dos Jogos Europeus e campeão da Europa universitário. Mesmo assim, nada muda na forma como Rui Bragança olha para os seus feitos.

"Sinceramente, não penso nos resultados como um legado. Penso nos resultados como uma forma de me sentir realizado. Mais do que amargurado, neste momento, sinto-me feliz pelo que alcancei. Não ignoro que foram resultados importantes, que deram ao taekwondo um reconhecimento que nunca tinha tido, mas legado talvez seja uma palavra demasiado forte. Não sei se a minha decisão vai constituir um choque para os mais novos, para a modalidade, mas a verdade é que isto já estava nos meus planos. E como não consegui o apuramento para os Jogos Olímpicos, esta é a altura ideal para arrumar os coletes. Há poucos meses, no torneio europeu de apuramento olímpico, o atleta mais velho a seguir a mim tinha menos oito anos que eu. Isto diz qualquer coisa, que estava na altura de sair. Sem dor, sem arrependimentos. Costumo dizer que tive três vidas, no taekwondo, e esgotei-as bem. Estava na hora", confessou um dos mais reconhecidos atletas olímpicos do Benfica.

Rui Bragança

"A professora Ana Oliveira acreditou em mim, que eu poderia ser uma mais-valia para o projeto do Clube, e eu só posso agradecer essa confiança e esperar ter retribuído da forma que o Clube exigia e merecia"

PARCERIA COM O BENFICA

O convite do Benfica surgiu de uma forma inesperada, em 2016, a seguir aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, onde Rui Bragança ficou à porta de uma medalha. Perdeu o combate que daria acesso à luta pelas medalhas com um atleta dominicano, que tinha derrotado alguns meses antes. E, mesmo assim, porque no início desse ano a Federação Internacional introduziu alterações nos coletes, o que permitiu que alguns lutadores se adaptassem melhor que outros. Rui Bragança foi dos que sentiram mais a mudança.

No rescaldo dos Jogos Olímpicos, o telefone tocou e trouxe a notícia que mudou a sua vida. O dia em que o Benfica se atravessou na vida deste atleta de Guimarães, que se iniciou num ginásio da sua cidade, que deu continuidade à sua carreira em Braga, no ABC, que cumpriu o seu sonho de representar o clube da cidade natal e, por fim, chegou ao maior clube de Portugal.

"Não estava à espera de que o Benfica me convidasse, e isso foi como a medalha que não conquistei nos Jogos Olímpicos. Esse combate com o atleta dominicano marcou-me um pouco, e ainda hoje, se estiver a rever o combate, penso no que poderia ter feito de diferente. Mas, depois da desilusão dos Jogos Olímpicos, ganhei a medalha que não esperava ganhar: o convite do Benfica. Mudança para Lisboa e algum receio, porque o Benfica é mundialmente conhecido, mas é pelo futebol. E essa foi uma das coisas que aprendi neste Clube, que não é só futebol. Eu, por exemplo, sendo atleta do Benfica, passei a ser reconhecido pelas pessoas, mesmo que algumas não soubessem qual era a minha modalidade, mas reconhecem-me como atleta do Benfica. É algo de incrível, e isto só é possível no Benfica. Foi uma parceria que correu muito bem, porque tornou o taekwondo mais visível, e isso sempre se deveu ao facto de eu ser atleta do Benfica e ao impacto que isso tem, em Portugal, nos media e nas pessoas", reconheceu.

Rui Bragança

"Foram oito anos de uma ligação intensa, marcas que ficam para o resto da minha vida e da minha família e o orgulho de ter pertencido a esta grande família"

TUDO EM FAMÍLIA

Não tendo nascido benfiquista e vivido num ambiente em que, em Guimarães, é quase um insulto não ceder à tradição do clube da cidade, o Vitória SC, Rui Bragança fez a sua aprendizagem ao benfiquismo, durante os oito anos de ligação ao emblema da águia. E o ambiente que encontrou no Clube tornou o sentimento pelo Benfica inevitável.

"Claro que sinto uma gratidão enorme pelo Benfica, vou sentir sempre um carinho muito grande pelo Clube e gostaria de, um dia, o voltar a servir de outra forma. É um clube admirável, que me proporcionou condições magníficas de treino e que me assegurou a possibilidade, inédita, em Portugal, de ser profissional. A professora Ana Oliveira acreditou em mim, que eu poderia ser uma mais-valia para o projeto do Clube, e eu só posso agradecer essa confiança e esperar ter retribuído da forma que o Clube exigia e merecia. Agora, sei que o Benfica não é só um clube de futebol, vê-se na forma como os adeptos acarinham todos os seus atletas, todas as suas equipas, como o Clube trata de nós, exigindo resultados e conquistas, mas dando-nos condições ímpares. Foram oito anos de uma ligação intensa, marcas que ficam para o resto da minha vida e da minha família e o orgulho de ter pertencido a esta grande família. E esse é precisamente o termo que melhor define como eu vejo o Clube. Uma família. Isso sente-se, todos os dias, ao vir ao Estádio da Luz, a quantidade de adeptos que passeiam em torno no estádio, a quantidade de pessoas que trabalham no Clube, para possibilitar manter a engrenagem a funcionar. Sinto-me grato, sinto-me feliz e sei que terei sempre as portas abertas neste Clube, e isso é uma coisa que levo comigo. Recuso dizer adeus ao Benfica, porque quero cá voltar, agora não como atleta olímpico que deixou uma marca no Clube, mas como pessoa que aprendeu a gostar do Benfica, de tudo o que o envolve e das pessoas que o servem. E, claro, dos adeptos, que são incríveis. Agradeço a todos por estes oito anos de partilha, de sucessos e, também, de algumas desilusões, mas de grande aprendizagem", terminou.

Como último e simbólico ato, Rui Bragança entregou ao Museu Benfica – Cosme Damião o seu colete de competição, com o qual conquistou alguns dos seus triunfos mais relevantes. Ao lado de outros nomes históricos do olimpismo benfiquista, também Rui Bragança ficará perpetuado como um dos grandes nomes da história desportiva e olímpica do Benfica.

Artigo publicado na edição de 19 de abril do jornal O Benfica

Texto: José Marinho
Fotos: SL Benfica
Última atualização: 22 de abril de 2024

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