"Queremos fechar com a dobradinha"

Não se pode dizer que a guarda-redes do Benfica Matilde Ribeiro se sinta, em campo, como peixe na água. Ao Protagonista, da BTV, confessa que não é uma nadadora exímia e, por isso, não esteve muito tempo na natação antes de se virar para o polo aquático.

E mesmo aí desenvolveu as suas melhores caraterísticas na baliza, uma posição difícil, que exige coordenação motora, mas que lhe permite estar no jogo sem ter de nadar, para a frente e para trás.

Chegou ao Benfica, a uma equipa que, na altura, festejava o tricampeonato, e, com 17 anos, deparou-se com dificuldades, que Matilde colocou a si própria. Porém, confiou em si, aprendeu a lidar com a ansiedade natural de jogar num patamar diferente de competitividade e enfrentou o desafio de suceder a uma guarda-redes carismática no Clube, Maria Sampaio.

Em três anos, a jovem jogadora de Cascais, que está a terminar a licenciatura em psicologia, cresceu no campo e fora dele e tornou-se uma campeã, segura de si, dos seus talentos e da sua importância na equipa.

TRICAMPEONATO PESSOAL

"Na verdade, sinto-me tricampeã, porque estou no Clube há três anos e sempre ganhámos o Campeonato. O Benfica é hexacampeão, mas eu estive só em metade desses títulos. No entanto, o que conta são os títulos conquistados pelo Clube, e não se as jogadoras são todas hexacampeãs. Ganhámos mais um Campeonato, o Benfica continua a ser a melhor equipa portuguesa, e isso é que fica nos livros. Foi um título difícil, como todos, que exigiu muito sacrifício, muito trabalho de todos, das atletas, dos treinadores e de todo o pessoal que está diariamente com a equipa e que não deixa que nos falte nada."

BICAMPEÃS EM CASA

"A minha irmã mais nova, que tem 16 anos, é uma das jogadoras da formação do Clube que já treinam connosco e já jogou connosco nesta temporada. Portanto, também é campeã, e isso dá um sabor diferente, porque somos as duas campeãs pelo Benfica. É um orgulho a dobrar para os nossos pais, que têm sido decisivos na forma como nos temos conseguido dedicar ao polo. Nós somos de Cascais, e, sem o auxílio nem a presença dos nossos pais, possivelmente não teria sido possível vir para este grande clube e conquistar estes títulos."

CHEGAR AO BENFICA

"Foi algo que mexeu muito comigo. Estamos a falar de uma jovem de 17 anos e que, de repente, chega a uma equipa que, na altura, era tricampeã. E ainda com a responsabilidade de substituir a Maria [Sampaio], que era a guarda-redes titular e que saiu do Clube. Os primeiros meses não foram fáceis, precisei da ajuda das minhas colegas e do meu treinador, porque tinha medo de falhar, tinha receio de não estar à altura do desafio. Mas tive uma ajuda incrível, as minhas colegas sempre me colocaram à vontade, deixei de ter medo do erro, o treinador ajudou-me bastante, e evoluí de uma forma muito rápida. Depois dos primeiros meses, estabilizei emocionalmente, mas nunca esquecerei como foram importantes as minhas colegas, o meu treinador, as pessoas no Benfica e a minha família. Precisei muito do apoio de todos."

MALDITA ANSIEDADE

"Nesses momentos iniciais, senti muita ansiedade. É terrível, são momentos em que vemos o chão a fugir debaixo dos pés. Ainda hoje, antes dos jogos, fico muito ansiosa, mas agora controlo melhor. Cresci, evoluí e consigo estar no jogo com máxima concentração. São momentos em que lidamos connosco próprias e temos de desenvolver mecanismos de defesa. Jogar no Benfica é algo muito positivo, que nos enche de muito orgulho, mas também é desafiante porque existe uma responsabilidade muito grande. É o maior clube de Portugal, um dos maiores do mundo, e estou inserida numa equipa que tem sempre o desafio de ganhar e ganhar. Não podemos parar, não é isso que as pessoas esperam de nós. E chegar ao Benfica com apenas 17 anos pode ser algo com que nem toda a gente lida da mesma maneira."

O HEXA NÃO FOI FÁCIL

"Os resultados da final, desnivelados, podem dar uma ideia errada, de que foi fácil, conquistar este Campeonato, mas não foi. Lidámos, todo o ano, com a motivação das equipas adversárias, porque todas elas querem ganhar ao Benfica, à equipa campeã. É verdade que sofremos mais na época passada, onde estivemos a perder na final, e o Fluvial poderia ter sido campeão em casa, e neste ano não foi assim. Os nossos resultados foram claros e demonstraram que o Benfica é, sem dúvida, a melhor equipa em Portugal. Mas, para o ser, é preciso muito trabalho, é preciso ter um conjunto de jogadoras de muita qualidade, e é isso que faz a diferença. Temos uma excelente base de jogadoras, o que tem permitido sempre uma boa integração a quem chega de novo. E, todos os anos, o objetivo é sempre o mesmo, ganhar."

VENHA A DOBRADINHA

"Para a época ser de grande sucesso, falta a Taça de Portugal, falta conquistar a dobradinha, e a Supertaça também caiu para o nosso lado. É este o espírito da equipa, não interessa o que já ganhámos, focamo-nos apenas no que falta ganhar. Quem joga no Benfica sabe que as nossas conquistas são temporárias e que o foco tem de estar sempre na competição seguinte. Vamos à final e queremos ganhá-la. Não pode ser de outra maneira."

LIGA EUROPEIA

"Neste ano, a competição europeia teve mais equipas, e ficou mais complicado chegar à final four da competição, como na época passada. Com mais equipas, houve mais uma fase, conseguimos superar a primeira e caímos na segunda, mas sempre com resultados muito equilibrados. Perdemos os nossos jogos por um ou dois golos de diferença. É uma competição a que queremos voltar e queremos fazer melhor. Acredito que poderemos voltar a estar numa final four, e, chegando lá, tudo é possível. Temos uma excelente equipa, excelentes jogadoras, e na próxima época lá estaremos a lutar pelo melhor resultado possível."

REGRESSO DA MARIA SAMPAIO

"Encarei o regresso da Maria Sampaio com muita normalidade. Foi a guarda-redes que vim substituir no Benfica, agora regressou, e estamos as duas na luta. Mas de uma forma muito saudável, porque a Maria é uma pessoa que me ajuda bastante, é uma guarda-redes excelente, e apoiamo-nos muito, uma à outra. Depois, acho que nos completamos. Ela é melhor numas coisas, eu sou melhor noutras. Em relação às minhas características, acredito que sou uma guarda-redes que consegue lançar o contra-ataque, algo que no polo é um fator decisivo. Temos duas pontas muito rápidas, excelentes nadadoras, e esse é um dos nossos pontos fortes."

FORMAÇÃO NO BENFICA

"É incrível o trabalho que o Clube faz na formação. Tenho esse exemplo em casa, com a minha irmã, que já treinou e jogou connosco na equipa principal. Muitas das atuais jogadoras, que são campeãs no Benfica há vários anos, vêm da formação e do trabalho que o Clube tem realizado. Muitas dessas jogadoras mais novas treinam connosco, e dá para ver a qualidade que têm. O Benfica tem o futuro assegurado, e é uma forma de dar continuidade ao projeto."

MENTE QUE BRILHA

"Estou no 3.º ano do curso de psicologia, depois ainda terei mais dois anos de doutoramento e ainda o estágio. Vim para psicologia porque quero ajudar pessoas e sobretudo lidar com os mais novos. E, se possível, na área do desporto, onde a saúde mental é cada vez mais importante. Tenho o meu exemplo, a forma como tive de aprender a lidar com a minha ansiedade, como ainda tenho de lidar com ela, e o curso tem-me ajudado a aplicar em mim própria estratégias para lidar com o stress e a ansiedade. Mas o que me levou a optar pela psicologia é mesmo a minha vontade de ajudar pessoas e trabalhar, mais tarde, com os mais jovens."

Artigo publicado na edição de 16 de maio do jornal O Benfica