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Atletismo
03 outubro 2025, 11h00
Isaac Nader, campeão do mundo dos 1500 metros
Em entrevista, recordou esse momento de ouro, a preparação que culminou nessa vitória, e o papel crucial que o Benfica teve no desenvolvimento de um júnior com potencial até se tornar um atleta de craveira mundial.
AQUELA PONTA FINAL
"Não digo que foi nos últimos 30/40 metros que achava que ia ser campeão do mundo, mas realmente acreditava que estava mais perto de o conseguir. Quando faltavam 30/20 metros, só faltava passar o atleta inglês, que acabou por ser o 2.º, e aí, provavelmente, foi mais a crença de conseguir passá-lo do que a energia que tinha. Nem sequer pensava se estava cansado ou não, foi só mesmo o acreditar que podia ganhar que me fez, se calhar, ter aquela capacidade extra, física ou não, de conseguir ultrapassar o inglês, e felizmente aconteceu. Eu não sei se tinha tanta stamina como num videojogo, mas efetivamente sabia que estava com mais frescura do que o normal para uma fase tão adiantada da corrida. E só pensei em sprintar o máximo que podia, era 5.º, queria uma medalha, aí não pensava no ouro, queria qualquer uma, mas, faltando 30 metros, só faltava passar um, porque não?"
O MAPA DO TESOURO
"À semelhança de qualquer outra final de um Campeonato da Europa, de um Campeonato do Mundo, ou outra corrida qualquer, em que temos de passar uma qualificação e passar rondas, o objetivo é sempre praticamente o mesmo, gastar o menos possível durante a maioria da corrida para chegar à parte final com menos ácido lático. Isso faz com que tenhamos mais energia para conseguir sprintar. Uma vez vi uma publicação de um atleta no Instagram que reflete aquilo que é a realidade: ‘No fundo, não ganha o melhor atleta, ganha aquele que chegar com menos ácido lático e conseguir gerir melhor a prova.’ Às vezes também é uma questão de ser mais inteligente naquele dia, não quer dizer que seja mais inteligente que os outros. Mas eu acho que naquele dia consegui ser a pessoa – por isso é que ganhei, se calhar – mais inteligente a correr, a pessoa que menos gastou energia, sempre bem posicionado. Houve um momento ou outro, na parte final, nos últimos 200 metros, em que, se calhar, ainda estava um bocadinho fechado, mas eu não acredito em sorte, porque a sorte não existe, pelo menos no desporto, nós é que a construímos, trabalhamos durante o ano inteiro para conseguir chegar àquela fase numa grande forma, no melhor estado de forma da época."
"Só pensei em sprintar o máximo que podia, era 5.º, queria uma medalha, aí não pensava no ouro, queria qualquer uma, mas, faltando 30 metros, só faltava passar um, porque não?"
Isaac Nader
NÃO SE É CAMPEÃO DO MUNDO DE UM DIA PARA O OUTRO
"No fundo, esta medalha de ouro é o culminar de vários anos de trabalho, há muitos anos para trás, é uma consciência de treino também, é preciso saber gerir emocionalmente e também fisicamente este tipo de épocas, que são muito longas, porque o treinador não consegue dizer se o atleta vai acertar, entre aspas, no pico de forma naquela competição, mas, se estivermos o mais perto possível disso, tem tudo para correr bem. E depois, também emocionalmente, temos de conseguir gerir bem, porque temos um grau de exigência, em termos mentais e físicos, completamente diferente daquilo que é ir a uma Liga Diamante ou a um meeting qualquer, porque são três corridas de um nível emocional muito grande também."
RECORDES QUE INDICAVAM ALGO GRANDIOSO
"Se calhar, eu diria que indicavam apenas que eu estava um passo mais à frente na minha carreira. Não diria que indicavam que eu pudesse ganhar uma medalha e se calhar ser campeão do mundo. Todas as minhas provas cá indicavam menos do que 2.º ou 3.º, eventualmente. É um resultado também relevante, não é? Porque ser 4.º ou 5.º entre os melhores do mundo não é mau, mas não é ganhar. Antes do Campeonato do Mundo, curiosamente, eu fiz a final da Liga Diamante e fui último, claramente. Em termos anímicos, tivemos de reconstruir isto para esquecer um bocado essa prova, porque era importante estarmos bem."
"Esta medalha de ouro é o culminar de vários anos de trabalho, há muitos anos para trás, é uma consciência de treino também, é preciso saber gerir emocionalmente e também fisicamente este tipo de épocas, que são muito longas"
AS CADÊNCIAS DE UMA CORRIDA DE 1500 METROS
"Normalmente, nas corridas de 1500 metros, às vezes até nos próprios meetings, acaba por se acelerar um bocadinho nos últimos 500, mas, nestas que são um bocadinho mais táticas, o esticão real começa aos 800 metros. É onde se começa a correr ligeiramente mais. Progressivamente, aos 1000 metros, começa-se a correr mais um bocadinho, e nos últimos 200 metros é que realmente há uma mudança de ritmo muito mais forte."
A GESTÃO QUE VALEU O TÍTULO
"A 500 metros do fim, estava bem, estava um pouco fechado, mas ao mesmo tempo tranquilo e internamente a pensar que tinha de ter um bocadinho de paciência para chegar ao momento-chave da corrida e não colocar demasiada ansiedade naquilo que era a minha postura enquanto estava a correr, porque isso ia fazer com que eu tivesse mais desgaste e ia chegar ao final com menos possibilidades de conseguir lutar. E acho que foi por esse aspeto que fui campeão do mundo, pela minha melhor gestão."
A EXPRESSÃO FACIAL NO MOMENTO DA VITÓRIA
"Assim que corto a meta, tenho a certeza de que tinha sido campeão do mundo, porque o meu peito passou primeiro, e o que conta no photo finish é o peito, não é a cabeça, não é o pé, não é o braço. Há pessoas que pensam que a minha expressão é porque estou surpreendido por ganhar, mas não é por isso, porque eu sou dos melhores do mundo, não preciso de ganhar para saber que o sou, os resultados nos últimos anos ditam isso. Eu olho para cima, estava só à espera de o ecrã confirmar a vitória, mas a minha cara faz parecer que estou surpreendido pelo título. Não estou surpreendido, jogo as mãos à cabeça como quem diz 'não acredito no que acabei de fazer'."
OS OUTROS É QUE FICARAM SURPRESOS
"Eu acho que os meus adversários ficaram bastante surpreendidos. O inglês que é vice-campeão do mundo deu uma entrevista a um jornalista espanhol a dizer que realmente não estava à espera de que eu ganhasse, nem me dava como um dos candidatos às medalhas, mas eu fui um dos únicos 7 atletas que baixaram dos 3:30 minutos neste ano, e quando temos menos de 3:30 podemos ser candidatos. Mas também temos de ser realistas, havia, se calhar, 4 ou 5 nomes que eram mais favoritos que eu, que são campeões do mundo, são medalhados olímpicos."
O RECORDE NACIONAL DE 3:29 MINUTOS
"Em termos de 1500 metros masculinos, a grande barreira, a que todos queriam e querem fazer, é mesmo realmente cortar a meta a menos de 3:30 minutos. Muitos sonham com isso. O Rui Silva [detentor do anterior recorde, que perdurava desde 2002], infelizmente para ele, pois certamente também era um dos grandes objetivos da sua carreira, não o conseguiu fazer, nem vai conseguir, porque já não corre. Eu ser o primeiro português a fazê-lo é realmente um motivo de orgulho. Para mim significa muito bater essa barreira, porque torna-me um atleta de outro nível, na minha opinião. Quanto mais rápido corrermos, melhor. Agora, o próximo objetivo é correr em 3:28, 3:27. E depois, porque não, um dia, o recorde do mundo?"
AS EMOÇÕES DO HINO
"Não sou uma pessoa de emoções fáceis, pelo contrário. Tenho muito poucas emoções, acho eu. E, sinceramente, controlei-me um bocadinho, quando começou a tocar o hino, para não chorar. E, pronto, não há nenhuma vergonha em fazê-lo, lógico, mas não gosto muito de me expor a esse ponto, e consegui controlar essa emoção. Mas, realmente, para eu ter esse tipo de emoções, a ponto de quase chorar, é porque significa muito. Não só a medalha de ouro, mas... Os jogadores de futebol escutam o hino antes de jogarem, nós só escutamos se ganharmos. O 2.º ou 3.º não ouve o seu hino nacional, não tem esse prazer, esse orgulho. E este também era um grande sonho, ouvir o hino nacional, por minha causa, por um grande motivo."
PORTUGUÊS DE FARO...
"Temos pessoas que não nasceram em Portugal – eu não sou o caso, nasci em Faro – que representam o país com o mesmo orgulho que eu, certamente. Eu tenho muito orgulho em representar Portugal. Muitas vezes me perguntaram se eu alguma vez queria representar Marrocos – e podia fazê-lo, porque, derivado do meu nome, podia pedir amanhã a dupla nacionalidade. Não o quero fazer, nunca quis. Há uns anos, o meu pai, que é marroquino, dizia-me: 'Ah, quando um dia fores campeão do mundo ou campeão olímpico, tens de agarrar nas bandeiras de Portugal e Marrocos.' Eu disse: 'Não, eu sou português, não vou agarrar a bandeira de Marrocos. Não me interessa, eu sou português, vou representar Portugal. Seria uma ofensa para os portugueses eu fazê-lo.' O importante é que 90% dos portugueses, para dizer o número em termos percentuais, apoiam o Isaac Nader, e os 10% que criticam se sou marroquino ou não pouco me interessam."
E BENFIQUISTA DESDE SEMPRE
"Eu não consigo dizer ao certo há quantos anos é que estou no Benfica, são alguns já, eventualmente desde 2017, para ser mais ou menos preciso, não me quero enganar. Já são muitos anos, o Benfica investiu muito em mim, ajudou-me bastante, porque no Benfica temos uma grande estrutura, apoios médicos, fisioterapeutas, a equipa do Benfica também que está por trás da direção, também ajuda bastante, e o Benfica ajudou-me muito a crescer."
"Não sou uma pessoa de emoções fáceis, pelo contrário. Tenho muito poucas emoções. E, sinceramente, controlei-me um bocadinho, quando começou a tocar o hino, para não chorar"
A IMPORTÂNCIA DE ANA OLIVEIRA
"Eu era um miúdo, era juvenil... A transição de juvenil para júnior foi quando eu vim para o Benfica. Nos Campeonatos Nacionais, eu ganhava. No meu último ano de juvenil já ganhava os Campeonatos Nacionais, fui ao Europeu de juvenis, e ganhava, na minha opinião, com este sprint final já característico – eu acho que é uma característica minha, sou capaz de acabar provas bastante rápido. O Benfica aposta em jovens talentos, e na formação, quando realmente se destacam, não é lógico? O Benfica é um clube em que os atletas têm de pensar em ganhar. É um clube demasiado grande para se pensar em ser 2.º ou 3.º, tem de se pensar em ser 1.º sempre, e, cada vez que vestimos a camisola do Clube, temos de pensar em ganhar. Acho que aquilo que viram em mim foi um miúdo com qualidade, que realmente foi bicampeão nacional de 1500 m e 3000 m na altura, um miúdo em que a professora Ana Oliveira e quem a acompanhava na altura viram qualidade, e se calhar era uma aposta de futuro. O Benfica é crucial no investimento no Isaac Nader."
Artigo publicado na edição de 3 de outubro do jornal O Benfica